Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite
Descrição de chapéu Mente

Faltam estudos maiores e melhores para consagrar psicodélicos

Artigo sobre efeito antidepressivo da juremahuasca por um ano teve 20 participantes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Este blog teve um recesso merecido em janeiro, mês em que saiu publicado um artigo sobre duração do efeito antidepressivo de um chá parecido com ayahuasca. Antes tarde que nunca, cabe registrar o estudo --inclusive porque dá oportunidade para tratar das limitações que cercam ensaios clínicos com. psicodélicos.

O trabalho da Universidade de Maastricht (Holanda), "Efeito terapêutico de um análogo da ayahuasca em pacientes clinicamente deprimidos", saiu no periódico Psychopharmacology. A conclusão é animadora: "Ayahuasca produz melhorias na saúde mental de longo prazo de pacientes clinicamente deprimidos".

A bebida utilizada no ensaio não era ayahuasca propriamente dita, preparada com folhas de chacrona (Psychotria viridis) e o cipó mariri (Banisteriopsis caapi), tal como é consagrada em religiões como Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV).

Galhos escuros desfocados da árvore jurema-preta, com folha composta verde em primeiro plano
Galhos da árvore jurema-preta, Mimosa tenuiflora, que cresce na caatinga - Claudia Kober/Arquivo pessoal

Os voluntários do estudo da Holanda tomaram o que se chama de "juremahuasca", que substitui a chacrona por jurema-preta (Mimosa tenuiflora, identificada no artigo como M. hostilis, denominação ultrapassada) como fonte de dimetiltriptamina (DMT), principal princípio psicoativo da ayahuasca.

No lugar do cipó entra a arruda-da-síria (Peganum harmala) como fornecedora de inibidores de uma enzima que, de outro modo, degradaria a DMT no trato digestivo, impedindo sua chegada ao cérebro. Essa planta cresce nas regiões secas em torno do Mediterrâneo.

Os participantes foram recrutados entre pessoas que buscaram centros neoxamânicos holandeses atrás de ajuda para problemas com depressão. Consentiram em ser cobaias 33 delas, mas só 20 satisfizeram o critério de entrada, um escore de 13 ou mais na escala BDI.

Esse questionário de 21 itens foi desenvolvido em 1961 para discriminar graus de depressão. Cada item sobre emoções, mudanças de comportamento e sintomas corporais deve ser avaliado pelo paciente de 0 a 3, o que redunda no máximo de 63 pontos possíveis. Marcar entre 10 e 18 pontos indicaria depressão leve a moderada.

Os voluntários deveriam preencher essas escalas antes da cerimônia, um dia depois e após 12 meses. Só 17 cumpriram o esquema completo de respostas, e 12 deles apresentavam remissão (menos de 13 pontos) um ano depois.

São poucos os estudos sobre benefícios psiquiátricos de psicodélicos que acompanham participantes por tanto tempo. A maioria o faz por uma, duas ou quatro semanas, no máximo. Esse é o ponto forte do trabalho na Psychopharmacology.

O ponto fraco é a baixa quantidade de voluntários. Isso para não falar da falta de um grupo de controle tratado com placebo, limitação raramente evitada em testes com psicodélicos, como foi capaz de fazer um célebre estudo brasileiro com ayahuasca em 2018.

A respeito dessas limitações o boletim Microdose, da Universidade da Califórnia em Berkeley, trouxe esta semana uma entrevista ácida com outro pesquisador da Holanda, Elko Fried, da Universidade de Leiden. Embora não especializado nessas substâncias, ele os vê com bons olhos e, por isso, pede mais rigor nos testes clínicos para que psicodélicos não morram na praia de seu renascimento para a psiquiatria.

Ilustração com ramo de flor, foto de pesquisador e a frase "5 questões" em inglês
Reprodução do boletim Microdose com entrevista do pesquisador Eiko Fried, da Universidade de Leiden - Reprodução/Microdose

Fried dá como exemplo estudos com cetamina, um anestésico dissociativo, não exatamente psicodélico, que vem sendo cada vez mais usado contra depressão. "Na maioria desses estudos com cetamina o acompanhamento mediano foi de sete dias. Isso é ridículo", reclamou.

"Não deveríamos fazer isso. Não deveria ser financiado e não é interessante, porque, para uma doença mental crônica grave como o transtorno de depressão maior, são necessários mais de sete dias para se recuperar do impacto no funcionamento, no bem-estar e na qualidade de vida."

Não basta medir sintomas, argumenta Fried, e isso vale não só para ciência psicodélica. Aplica-se também a qualquer investigação em que se medem as pessoas para aquilatar eficácia de procedimentos, como modalidades de psicoterapia.

"Sintomas são um importante primeiro passo, mas, se você realmente quer entender onde a pessoa está, eu gostaria muito de saber se ela pode ir trabalhar de novo."

Fried opina que está na hora de progredir de estudos preliminares com poucas dezenas de participantes para grandes testes clínicos (alguns já estão em andamento, como os de MDMA para estresse pós-traumático e de psilocibina para depressão).

Em lugar de grupo placebo, algo problemático no caso de substâncias com efeitos tão óbvios, ele recomenda contrapor psicodélicos com outros tratamentos consagrados. Por exemplo, com terapia comportamental.

"Se você puder mostrar-me que o grupo de tratamento com psicoterapia assistida por MDMA ou psilocibina tem melhores resultados após um ano do que no grupo de tratamento comum (...), aí pode contar comigo", diz o pesquisador, para quem a exigência derigor deve partir dos editores de periódicos científicos e das agências de financiamento de pesquisas.

-------

Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira"

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.