Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite

Psicodélicos têm estreia discreta em Davos

Evento paralelo ao Fórum Econômico Mundial anunciou renascimento de enteógenos

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São Paulo

Além da ausência de neve, o convescote anual de ricos e poderosos na estação suíça de esqui teve neste ano outra novidade: a Casa de Psicodelia Médica de Davos. O evento no local durou seis dias (21 a 26 de maio) e não fazia parte da programação principal do Fórum Econômico Mundial, mas a semente dos enteógenos foi lançada no sistema nervoso central do capitalismo.

Várias pessoas agasalhadas em frente de prédio com a placa "Medical Psychedelic House Davos"
Riccardo Vitale, Joseph Mays, Beatriz Labate e Miguel Evanjuanoy em frente à Casa Psicodélica em Davos - Arquivo pessoal/Bia Labate

"Enteógeno", algo como gerador do divino interno, é a denominação sanitizada do termo "psicodélico", que evoca a contracultura dos anos 1960 e tem a vantagem de ser imediatamente compreensível. As empresas organizadoras, Energia Holdings e Tabula Rasa Ventures, não o evitaram, como preferem alguns pesquisadores e investidores no campo emergente, suavizando-o só com o qualificativo "médico".

O adjetivo se refere ao renascimento dos psicodélicos para a medicina, como promessa de tratamento fármaco-psicoterápico para transtornos como depressão resistente, estresse pós-traumático e ansiedade. Banidos nos anos 1970, os compostos alteradores da consciência retornaram com ímpeto às publicações científicas a partir de 2000, com base em evidências cada vez mais robustas de benefícios terapêuticos dos psicodélicos.

"Sabemos que, quando o público geral ouve ‘psicodélico’, pensa primeiro em ‘xamãs’ e ‘hippies’, mas o que esperamos mostrar ao longo de nossa série de uma semana é a legitimidade baseada em evidências por trás dos psicodélicos quando usados para tratamento num contexto clínico", anunciou Marik Hazan, o investidor de risco por trás das duas companhias organizadoras, que se apresenta no Twitter como "antrofuturista".

Por via das dúvidas, uma porta-voz da Energia ressalvou para o blog Dose, da Bloomberg, que "não haveria absolutamente nenhuma droga no local".

Foi um encontro eclético. Não poderia faltar uma figura de proa como Rick Doblin, da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês) e líder da iniciativa para tratar estresse pós-traumático com MDMA (ecstasy), que, no entanto, falou por teleconferência. Presente fisicamente esteve Amanda Feilding, condessa britânica e madrinha dos psicodélicos à frente da Fundação Beckley.

Havia pesquisadoras, como Rachel Yehuda, do hospital Mount Sinai, e Monnica Williams, da Universidade de Ottawa. Havia militantes, como Miguel Evanjuanoy, da União de Médicos Indígenas do Yagé da Amazônia Colombiana (Umiyac), e Beatriz Labate, antropóloga brasileira do Instituto Chacruna de Plantas Psicodélicas Medicinais, com sede em São Francisco (EUA).

Havia empresários engajados, como David Champion, da Maya Health, que em 2019 atuou na campanha para regulamentar a psilocibina de cogumelos "mágicos" na cidade de Denver (EUA). E havia Deepak Chopra, da Universidade da Califórnia em San Diego, autor best seller na área de meditação e defensor de psicodélicos.

Na volta de Davos, Yehuda manifestou no LinkedIn sua preocupação com o oba-oba em torno dos psicodélicos, que caíram nas graças de investidores de risco. "Foi desafiador lembrar as pessoas de que tais abordagens ainda não estão amplamente disponíveis e que ainda há muito trabalho a fazer para assegurar sistemas de administração seguros e equitativos, antes da futura regulamentação", escreveu.

"Falamos sobre a necessidade de resistir a prometer demais e entregar de menos, sobre o imperativo moral de ser inclusivo, de lembrar as origens dessas abordagens, de evitar a colonização e a monetização dos psicodélicos para exclusão daqueles que podem não obter representação num lugar como Davos."

Para Labate, também no LinkedIn, foi "uma ocasião fascinante em que pesquisadores acadêmicos, ativistas, líderes comunitários e terapeutas dividiram espaço com empresas psicodélicas e filantropos que patrocinaram o evento".

"No final das contas, uma experiência única para mim, em que fui lembrada de que é melhor participar da conversa do que evitá-la; todas as grandes empresas se fazem com pessoas reais com quem se pode entrar em contato no nível humano, aprender com elas e possivelmente influenciá-las. Em todo desafio há oportunidade para crescimento."

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Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira"

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