Choque. Impacto. Perplexidade.
Morre o pensador Olavo de Carvalho.
Algumas pessoas se entristecem.
Outras comemoram.
Há visões, entretanto, que fogem do lugar-comum.
O guru indiano Fehrdi Suwak atendia seus clientes na região de Santo Amaro.
O celular tocava com insistência.
–No meio da meditação. Caraca.
Era a notícia do falecimento que corria no meio místico paulistano.
–Viu? Morreu o guru do Bolsonaro.
Suwak mantinha a calma.
Mas era intenso seu sentimento de incômodo.
–Ele nunca foi guru, pô.
Suwak descruzou as pernas.
–Guru sou eu. Com formação especializada.
Na parede, os diplomas se acumulavam.
Cinco anos de meditação silenciosa em Bombaim.
Peregrinação descalço ao Himalaia. Nível: intermediário.
Uma foto mostrava Fehrdi ao lado de Mahatma Gandhi.
Lembrança do Museu de Cera de Nova Delhi.
Resumindo.
–Esse Olavo não tinha preparo para ser guru de ninguém.
Nem do Bolsonaro?
–De ninguém.
Era preciso fazer alguma coisa.
–Redigir uma nota de protesto. No mínimo.
A Associação dos Guias Espirituais de Santo Amaro tinha em Suwak uma liderança respeitada.
A reunião ia ser online.
Suwak se preparou com leite de cabra e um chá especial.
Pela janela, a estátua de Borba Gato ia ganhando tons sombrios.
Raios. Relâmpagos. Trovoadas.
Com a chuva, veio o apagão.
–Só me faltava essa. Num momento urgente.
Suwak fechou os olhos.
Tentando usar a força da mente para dar um reboot no laptop.
A porta do consultório pareceu abrir-se de mansinho.
O cano de uma carabina surgiu pela fresta.
Um cheiro de tabaco forte.
O chapelão marrom.
–Vai cuidar da sua vida, indiano analfabeto.
–Olavo de Carvalho?
–Não. Ele não ia se misturar com um babaca como você.
–Mas então?
–Sou o Borba Gato, rapaz.
E ele foi avisando.
–Índio, indiano, comunista… passo todos no bacamarte.
Suwak acordou sobressaltado de seu transe espiritual.
O ser humano sempre morre uma hora ou outra.
Mas o karma e o espírito, sem dúvida, não sossegam facilmente.
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