Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Em cada palhoça, uma cumbuca

Na polêmica passagem do macaco ao homem, até o dízimo teve sua evolução

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História. Ciência. Progresso.

Um mistério intriga os estudiosos.

Quando, e como, os homens deixaram de ser macacos?

Um professor americano dá a resposta.

–Foi a cachaça.

Sim.

No princípio, eram os macacos.

Cada um comendo a sua banana.

Com a invenção da bebida alcóolica, tudo ficou mais fácil.

O individualismo deu lugar à cultura de grupo.

Quantas amizades não nasceram numa mesa de bar?

Com nossos antepassados, foi a mesma coisa.

Em cada caverna, uma adega.

Em cada palhoça, uma cumbuca.

Em cada rede, uma ressaca.

O pastor Julinho via essas teorias com desconfiança.

A voz dele ecoava nos ladrilhos da igreja.

–Que história é essa de macaco?

–Aleluia, irmão.

–A Bíblia diz claramente. Tudo começou em Adão.

–Palavra do Senhor.

–Mas vamos admitir.

–Aleluia.

–Se tudo começou com o macaco… E se a bebida criou o homem…

Os fiéis ouviam com atenção.

–Então quem criou a bebida?

A resposta era evidente.

–Satanás. Obra de Satanás.

Julinho fechou os olhos numa prece.

–Louvado seja.

Surgiu em seu espírito uma estranha visão.

Ele estava no palco de um cinema abandonado.

–Cadê o meu povo?

Uma plateia de macacos se agitava à sua frente.

Julinho levantava as tábuas da Lei.

–Olha aí. Os dez mandamentos, macacada.

Os ataques começaram de todos os lados.

Cascas de coco e de banana eram arremessadas contra o emissário de Deus.

–Opa. Opa. Será que é o dízimo deles?

Os meios de pagamento, com o tempo, conheceram uma evolução.

Julinho se agachou para pegar os resíduos de alimento primitivo.

O obreiro Malaquias acordou Julinho de seu transe.

–Calma, pastor. Tudo em ordem?

Julinho olhou para o tablado impecavelmente limpo.

–Cadê o meu dízimo? Quem levou?

–Está tudo no cartão, pastor.

Era hora de conferir os ganhos da semana.

–Quarenta paus? Só isso?

–É a crise, pastor.

–Mostra o que você tem no bolso, seu pilantra.

Mais de trezentos reais se escondiam entre as páginas de uma Bíblia.

Malaquias apropriara-se da quantia durante o pesadelo do pastor.

–Está expulso da nossa igreja, seu pagão.

O obreiro respondeu com uma banana.

E já voltou a seus antigos hábitos de cachaceiro.

Julinho se congratula.

–Nessas coisas de dízimo, sou macaco velho.

As convicções do ser humano variam.

Muita gente acha bom pôr o pé na jaca.

Outras pessoas condenam a atitude.

Mas uma coisa é certa.

A mão entra mais fácil num bolso alheio do que em qualquer cumbuca.

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