Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Voltaire de Souza

Esse barranco é nosso

No meio da tragédia, alguns interesses estratégicos dão o seu recado

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Chuva. Desmoronamento. Tragédia.

O país se mobiliza.

É preciso ajudar Petrópolis.

O capitão Morretes acendia um cigarro.

--Minha vocação é outra.

O oficial atuava no Rio de Janeiro.

--Por mim, se caísse uma bela chuva...

Ele consultava a meteorologia.

--E derrubasse metade dessas favelas aí...

Da janela, era possível ver muitas comunidades populares.

--Meu trabalho ia ter uma bela ajuda.

Morretes sonhava com rios de lama.

--E a bandidada boiando em cima.

Não é o que se espera do poder público.

Vieram ordens superiores.

--Morretes.

--Sim, general.

--Vê se vai para Petrópolis.

--Missão dada é missão cumprida, general.

--Ajuda na busca dos corpos.

--Positivo, general.

--Mas com critério. Com atenção.

--O senhor quer dizer...

--É isso que você entendeu, Morretes.

O capitão captou a mensagem.

Não demorou para preparar o helicóptero.

--Desce ali... não, lá... mais para a frente. É melhor.

Algumas ruínas compartilhavam espaço com a lama e uma equipe de resgate.

Morretes não tirou os óculos escuros.

--Muito bem. O que é que vocês estão fazendo aí?

--Estamos achando gente aí debaixo...

--Debaixo aonde?

O barranco era fundo.

Morretes foi enérgico.

--Podem parar com tudo. Que eu cuido disso.

--Mas, capitão...

Morretes tirou a pistola do coldre.

--Quem tiver juízo sai daqui agora mesmo.

O capitão e seus auxiliares desceram a encosta com cuidado.

--Mais alguma ossada?

--Umas cinco, capitão.

--Enfia no saco. E não se fala mais nisso.

--Engraçado, capitão. Não é cadáver recente.

--Claro que não, idiota.

--Mas então...

A explicação era simples.

Um antigo centro de tortura se localizava na região.

--Vai que descobrem os mortos da nossa guerra.

--Perfeitamente, capitão.

--Começa a escavar a terra...

--Aparece o que não pode, né, capitão.

O helicóptero voltou para o Rio com tranquilidade.

--Missão cumprida, general.

As chuvas destroem vidas.

Mas algumas memórias precisam de uma ajudazinha.

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