Charme. Beleza. Elegância.
Mas, sobretudo, inteligência.
A mulher moderna não é um mero objeto de consumo.
A participação política é, por vezes, mais importante do que o batom.
A socialite Bibi Abdala estava curiosa.
–O que é esse convite, Carlos?
O mordomo trazia um envelope pousado sobre a salva de prata.
A cadelinha Tiffany se agitava.
–Wák. Wák.
–Quer cheirar o envelope, Tifanny?
–Fnniff… fnuff… wóórgh.
–Ah, coitadinha, ela detesta esse perfume.
O papel de alta granatura vinha impregnado de uma fragrância francesa.
–Opium? Ai, que coisa mais brega… Tão depassê.
Mas o conteúdo do envelope apontava para o futuro.
Mulheres em luta.
Democracia. Educação. Direitos.
Bibi conferiu a lista das convidadas.
–Nossa… tem gente até do Senado e do Judiciário.
O namorado J. P. do Prado se interessou.
–Puxa, Bibi… quem sabe você me dá uma ajudinha…
As fazendas do rapaz tinham problemas com o Ibama, com o Incra e com a Polícia Federal.
Bibi fez cara de tédio.
–Ai, J. P…. acho que não é pertinente.
–Wók. Wók.
O poderoso agricultor retirou-se em silêncio.
–Grrrn… Rrrfff…
–Wók. Wók.
–Quieta, Tiffany. Daqui a pouco passa a raivinha dele.
Lustres. Tapetes. Esculturas.
Era belíssimo o apartamento que sediava a reunião.
–Primeiro, a gente toma um drinquezinho no jardim de inverno…
–Wák. Wák.
Tiffany não resistiu.
O xixizinho dourado umedeceu o potiche holandês.
–Haha… é bom para meu arbusto de rododendros.
A pauta era séria.
–Direitos da mulher. O que acha, Bibi?
–Toda força, Berenice.
Uma voz suavemente modulada se fez ouvir.
–Alguma menção a aborto e direitos reprodutivos?
–Wák?
–Quieta, Tiffany. Que você é castrada.
–Porque eu quero ser franca com você, Berenice.
–Natural, Isabel Cristina.
–Sou contra o aborto. To-tal-men-te.
–É… melhor não entrar nesse assunto.
–Depois, antes de ter aborto é preciso mais educação.
–Educação pública e gratuita, né.
Outra convidada pousou delicadamente o cálice de vinho Marsala.
–Desculpe. Mas é preciso pensar na diversidade…
–Claro.
–Então. Temos de apoiar as escolas privadas.
–Wók. Wók.
Bibi colocou a cadelinha no colo.
–E você, Tiffany? O que acha?
O focinho da poodle tocou de leve o brinco de topázio.
–Ah… entendi, meu amor.
Bibi tomou a palavra.
–Falta um ponto nesse documento.
–Qual, querida?
–Uma política para nossos pets e animais domésticos.
Berenice ficou de pensar.
–Pets do sexo feminino? Ou de ambos?
Veio o protesto.
–Ambos? Como assim? Você quer excluir os pets não-binários?
Ia ficando tarde.
Isabel Cristina pediu desculpas.
–Tenho de pegar o avião.
Bibi não escondeu seu desprezo.
–É no que dá não ter jatinho particular.
–Wók. Wók.
A reunião promete desdobramentos e polêmicas.
–Ai, J. P…. achei tão improdutivo…
O empresário sorri.
–Esse pessoal da esquerda… só quer saber de falação.
Até chegar a um ponto de consenso, o caminho é difícil.
Mas indo de jatinho se vai mais rápido.
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