Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Voltaire de Souza
Descrição de chapéu casamento

Quero o meu carrinho de volta

Enquanto algumas pessoas viajam para o passado, outras têm passaporte italiano

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Crise. Declínio. Decadência.

Não é só o país.

Também na vida conjugal, a situação era deprimente para Isair.

–Pensar que eu fui apaixonado…

Vieram os anos. Vieram os quilos. Vieram os problemas financeiros.

–A Sônia não para de reclamar.

–Vê se você se mexe, seu gordo.

O clima era insuportável.

–Se fosse só a Sônia…

Havia também o gerente do banco.

–Liga sem parar.

As dívidas se acumulavam.

–Já vendi o carro, pô.

Inflação. Desemprego. Idade.

–Já não é fácil arranjar emprego.

A mente de Isair voltava para o passado.

–O que estragou tudo foi a Copa do Mundo.

As coisas iam bem para ele antes do 7 a 1.

–Nosso casamento bombando…

O dinheiro sobrava.

–Fizemos um cruzeiro até Maceió.

Não havia Covid.

–A firma ia até abrir uma filial no interior.

A tarde caía com ameaças de chuva para os lados de Cidade Ademar.

Os olhos de Isair se fecharam lentamente.

–Quer uma gelatinazinha, amor?

Sônia sorria para o rapaz.

–Nossa… você está tão linda…

O sol brilhava sobre as lajotas da entrada.

–Ué… meu carro… ali na frente…

O Fiat 2005 voltara a seu lugar de estimação.

O curvim do sofá não mostrava rasgos nem desgastes.

O modelo da TV ainda era de tubo.

–O que aconteceu?

No espelho, a figura de Isair ainda se mostrava relativamente atlética.

Isair sentiu necessidade de alguma informação.

–Deixa eu ver o noticiário.

Dilma. Mercadante. Sérgio Cabral.

–Ué…

–E agora, as últimas notícias.

Isair prestou máxima atenção.

–Tragédia em Petrópolis.

Desabamento. Morte. Destruição.

Isair acordou de seu devaneio.

Ou pesadelo, conforme o ponto de vista.

–Sônia?

Um bilhetinho o esperava no aparador.

–Não dá mais, Isair. Fui embora com o Ronaldo.

–O gerente do banco?

Destino: uma vida nova numa cidadezinha do Vêneto.

–Ele tem passaporte italiano.

A TV continuava a mostrar imagens de Petrópolis.

O tempo passa. Pessoas se mudam.

Mas as enxurradas não saem do lugar.

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