Pompa. Cerimônia. Tradição.
Na Inglaterra, é tempo de comemorar.
A rainha celebra setenta anos de mandato.
Mandato não é bem o nome.
Mas o leitor entendeu o sentido da coisa.
No Brasil, o clima é de pessimismo.
Dona Alzira suspirava com tristeza.
–Pensei que o Bolsonaro pudesse salvar nosso país…
A mãozinha trêmula tentava segurar a xícara de chá.
–Deu no que deu.
A colher de prata retinia no silêncio da mansão.
–E agora… ao que tudo indica…
O pires ia se encharcando com a infusão de camomila.
–Aquele ogro estará de volta.
Era grande a oposição de dona Alzira às perspectivas lulistas.
–Tinha de ter uma solução.
O velho televisor Semp transmitia cenas britânicas.
–Quem sabe, a monarquia.
Dona Alzira acompanhava também as principais novelas em cartaz.
–Dom Pedro Segundo. Rapaz tão bonito.
A doméstica Maria do Socorro entrou discretamente na saleta íntima.
–Precisa de alguma coisa, dona Alzira?
A idosa tentou se levantar.
–Preciso de uma rainha! De uma mo-nar-ca para esse nosso Brasil.
Maria do Socorro sabia lidar com a patroa.
–Por mim, eu votava na senhora, dona Alzira.
–Quieta, Socorro. Onde já se viu uma ignorante como você ter direito a voto?
O indicador de dona Alzira era puro osso.
–A culpa é de vocês.
A essa altura, o chá de camomila já tinha entornado no colo da viúva.
–Melhor a senhora tomar o calmante das cinco horas, dona Alzira.
O vestido preto foi trocado por um pijama confortável.
A noite avançava com trovoadas nas imediações do Campo Belo.
Socorro recolheu-se às dependências de serviço.
Dona Alzira ouviu passos pesados no corredor de acesso.
O vulto imponente. A barba preta. O gibão de couro.
–Borba Gato?
A estátua de pedra apareceu de olhos fixos. E sem sorriso.
–Que história é essa de monarquia, sua metida?
A voz fez balançar as cortinas de fustão.
–Aqui nesta terra mando eu. Sem cetro nem coroa.
A imagem tremia como numa televisão movida a válvula.
Dona Alzira acionou a campainha para chamar a empregada.
Quem apareceu foi o falecido dr. Alcântara.
–Alzira. Me traíste? Com esse pateta? Além de tudo é seu parente!
–Perdão, Luís Eduardo. Não sei o que está acontecendo…
Alzira sentiu uma pressão na garganta.
–Não consigo respirar…
Veio a inspiração. Falar em inglês.
–I can’t breathe…
As visões terríveis desapareceram subitamente.
O diagnóstico de Covid ainda não foi confirmado.
Mas dona Alzira já sente mais segurança.
–O que me salvou foi aquele curso de conversação.
Ela é modesta.
–Nível elementar. Mas já dá para se virar em hotel ou restaurante.
Temos muito a aprender com as instituições britânicas.
Mas, por vezes, é bom começar com o básico.
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