Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Chocolate amargo

Parlamentares corruptos sofrem, na Páscoa, com o excesso de apetite

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CHOCOLATE AMARGO

Escândalos. Mutretas. Irregularidades.

A opinião pública não se acostuma.

O senador Propileno do Couto suspirava.

–O problema é cultural.

Ele afrouxou o nó da gravata.

–São raízes muito profundas.

A tarde caía poeirenta sobre a Esplanada dos Ministérios.

–E você tem de pensar no lado dos políticos também.

A mente do parlamentar voltava ao passado.

–A maioria de nós teve infância pobre.

O brilho de uma lágrima hesitava entre as pálpebras de Propileno.

–Por exemplo, nesta época do ano…

Aproxima-se a Páscoa. Tempo de ovos. Coelhos. Chocolates.

–Na minha terra não tinha nada disso não.

Propileno dava um sorriso triste.

–Mal tinha uma cenoura para sete irmãos.

Hoje, a situação é outra.

–Progresso, meu caro. Já encomendei até o ovo de cinco mil reais.

Propileno fazia os cálculos.

–Se somar todos os anos em que não ganhei ovo nenhum, até que sai razoável.

Era tempo de fechar o gabinete.

–Descansar um pouco no feriado.

Na suíte do palacete, Propileno ainda se lembrava do passado.

–Coelho da Páscoa… se aparecesse lá no sertão a gente tirava o couro na hora.

O barulhinho do ar condicionado embalou o sono do senador.

–Nossa… estou de volta aqui para São Joaquim do Latrocínio?

Não era noite nem era dia.

Propileno se sentia com cinco anos de idade.

–Olha… tem ovo de chocolate escondido…

Entre moitas de espinho e pés de mandioca, ele descortinou um presente do coelhinho.

–Estranho. A embalagem é toda preta…

O chocolate lisinho aguçou seu apetite.

–Croc.

A mordida encontrou uma superfície dura.

Ouviu-se o grito.

–Oi, oi, senador. Que é que é isso?

Dois dentes postiços de Propileno já tinham se perdido no mato esparso.

O ovo de chocolate assumiu forma humana.

–Ministro Alexandre de Moraes?

A careca emergiu de dentro de uma toga preta.

–O senhor está preso por corrupção. Além de desacato e excesso de apetite.

Propileno acordou assustado.

Fortes toques de interfone repercutiam no interior da mansão.

–Polícia Federal? Em plena Páscoa?

Propileno argumenta.

–Sou inocente. E os juízes também condenaram Jesus.

A cabeça de um juiz não é como um Kinder Ovo.

Mas, por vezes, prepara surpresas quando menos se espera.

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