Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Tortura sim, tornozeleira não

Jovem militar confessa que, em defesa da democracia, supera até o medo de cobra

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Absurdo. Polêmica. Estupidez.

A jornalista Miriam Leitão foi torturada pelo regime militar.

O deputado Eduardo Bolsonaro faz graça com o episódio.

Em Brasília, o clima era de nervosismo.

O general Perácio liderava a reunião.

–Tortura é coisa séria.

Os ministros e assessores ficaram em silêncio.

–Precisamos de um posicionamento oficial sobre a questão.

–Mas, general…

–O que foi?

–A gente vai criticar o filho do presidente?

Perácio respirou fundo.

–O senhor é burro, ou o quê?

–Afinal, foi só uma brincadeira… coisa inocente.

A mão de granito desferiu poderoso tapa sobre a mesa de jacarandá.

–Quando eu digo que o caso é sério, não admito complacência.

O roteiro de ação já estava delineado.

–Guarany, distribui a planilha de atividades.

Perácio começou a ler.

–Primeiro ponto. Essa jornalista.

–O que é que tem?

–Processa ela. Acusações graves contra as Forças Armadas.

A voz de Perácio adquiriu tons indignados.

–Não admitimos as ilações que ela menciona.

Veio o segundo ponto.

–Precisamos contextualizar as informações.

A explicação já vinha num folheto à parte.

–Se essa moça, hoje em dia, pode falar o que bem entende…

O assessor Guarany percebeu a linha do raciocínio.

–É a democracia, né, general?

–Exatamente. E como foi que viemos dar numa democracia?

–Foi obra dos militares, né general.

Perácio sorriu com confiança.

–Foi para defender a democracia que nós…

–Prendemos. Matamos. Torturamos. Né, general?

–Hum, hum.

Perácio levantou-se da poltrona giratória.

–Não me arrependo nem um pouco do que foi necessário fazer.

A tarde caía abafada sobre os horizontes de Brasília.

–Alguém discorda?

Uma mão se levantou timidamente.

–Alguns tipos de tortura, general, talvez sejam exagerados.

–Hã? Como assim? Vamos agora dar de frouxos?

–Nosso querido amigo… aquele…

–Qual?

–Disse que tornozeleira eletrônica… dói pra caramba.

Perácio juntou o queixo no nó da gravata.

–Verdade. Assim, p ara mostrar nosso compromisso com a dignidade humana…

–E com a democracia, né, general?

–Vamos resolver que essa tornozeleira é ilegal.

A reunião foi encerrada num clima de congraçamento.

–O Eduardo foi mal compreendido.

–E o pior é que desprezam o sacrifício que nós, soldados, fizemos pela pátria.

–Sabe, general, que eu tenho um pouco de medo de cobra?

–Você uma hora acostuma, Guarany. Uma hora acostuma.

É difícil passar o apagador na história do Brasil.

Mas há pessoas que continuam segurando firme na borracha.

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