Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Uma conta não entra no rosário

Quando a mensalidade sobe, economistas podem pouco e o jeito é apelar para a fé

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Doenças. Remédios. Planos de saúde.

A inflação não tem pena do idoso brasileiro.

Dona Vany tinha recebido o comunicado.

"Sua mensalidade na Prevpag foi reajustada para 4 mil reais. Para nós, cuidar da sua saúde será sempre um prazer."

Ela pôs as duas mãos na região do pescoço.

–E agora? Como eu faço?

O aumento no plano de saúde comeria boa parte de sua aposentadoria.

–Quem sabe meu sobrinho dá uns conselhos.

João Eulálio era um jovem liberal. Muita experiência no mercado financeiro.

–É a concorrência, tia. Procura outro plano.

Dona Vanny lidava mal com a internet.

–Cloroprev. Juromed. Cobracare. Como é que eu escolho, João Eulálio?

O rapaz sabia que preço baixo não é sinônimo de qualidade.

–Depois, tia, você está reclamando demais.

–Como assim, João Eulálio?

–O reajuste é uma necessidade. Ou você prefere que o seu plano entre em falência?

–Mas…

–Aí é que eles não te atendem mesmo. E você termina no SUS.

Isso era demais para anciã.

–Mas não tem outra saída?

João Eulálio já não estava prestando atenção.

–Olha… tenho uma reunião agora com os gestores do fundo Kakatua…

Vany se sentiu sozinha. Desesperada. Sem forças.

–Pelo menos eu tenho a minha religião.

O catolicismo carismático era levado a sério pela aposentada.

–Nossa Senhora da Saúde… São Judas Tadeu...

O rosário tremia nas mãos de Vany.

–Rezar. Rezar. É daí que vem a luz.

Surgiu no quarto um vulto conhecido.

–Nossa Senhora?

–Sou eu, Vany… o Renato.

Ela não reconhecia o finado marido.

–Nesse manto azul, Renato?

–É a bata da UTI, sua tonta.

–Então, Renato… o plano de saúde…

O fantasma acolheu Vany num abraço gélido.

–Eu sou a solução, Vany.

O corpo da anciã foi encontrado dias depois.

O sobrinho João Eulálio balança a cabeça.

–Ficava falando do plano de saúde… e deixou o enterro por minha conta.

A fé traz ajuda e consolo.

Mas nem todas as contas entram no rosário.

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