Frio. Desconforto. Pobreza.
A vida dos sem-teto merece nossa compreensão.
A socialite Bibi Abdalla fumava um cigarro na varanda.
–Pensar que tanta gente vai dormir debaixo da ponte…
–Wák. Wák.
A cadelinha Tiffany abanava o rabo.
–Você também tem peninha, né, Tiffany?
–Wák. Aííínn…
–Mas o que é que eu posso fazer?
Doações. Iniciativas. Voluntariados.
–Não tenho tempo nem para te levar passear, né, Tiffany?
–Wak.
O passeador Rodolfo cuidava desse problema com eficiência.
–Dim, dón…
–É ele. Veio te buscar, Tiffany.
–Wák.
Bibi teve a ideia quando Rodolfo entrou pela porta de serviço.
–Faz o seguinte, querido.
Ela apontou vagamente para um armário na suíte de empregada.
–Tá cheio de roupa velha ali.
–Sim, senhora.
–Junta tudo. E entrega para o primeiro mendigo que você achar na rua.
–Aqui, nos Jardins, dona Bibi?
–Ué. O que é que tem?
–Mendigo, aqui nesse bairro… é até privilegiado.
Bibi se irritou.
–E o que você quer que eu faça? Que leve essa tralha até o fim do mundo?
Rodolfo não continuou a discussão.
–A senhora é que sabe.
Uma grande sacola ecológica foi entregue ao primeiro morador da rua da região.
Dois dias depois, instaurou-se a crise no apartamento duplex.
–Rosalva. Cadê o tênis que eu pus para você lavar?
–Qual, dona Bibi?
–Aquele amarelinho… tipo masculino.
–Wák, wák… grrrr…
Rosalva não tinha explicações a dar.
Foi quando chamaram da portaria.
–Tem um mendigo querendo falar com a senhora.
Tratava-se de Férgusson. Simpático sem-teto conhecido na região.
Pela câmera interna, Bibi viu que o assunto era importante.
–Esse tênis aqui, dona… todo sujo e estragado…
–Ai, meu querido… você achou?
–Vi que era o tal do Balenciaga.
A grife pede cerca de dez mil reais pelo xexelento item da moda.
–Não era coisa para o meu bico…
–Claro que não, meu amor.
–Então estou devolvendo para a senhora.
–Você é um anjo, querido.
Férgusson recebeu uma pequena gratificação.
A doméstica Rosalva foi despedida.
–Sabe menos que aquele mendigo. Não dá pé.
Manter-se informado é dever de todos.
Rodolfo teve o mesmo destino.
–Coitado. Muito sem noção.
Faltam príncipes neste país.
Mas há sempre Cinderelas perdendo o sapatinho.
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