Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

Voltaire de Souza - Voltaire de Souza
Voltaire de Souza

Assim não dá pé

Faltam príncipes neste país, enquanto Cinderelas perdem o sapato e a paciência

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Frio. Desconforto. Pobreza.

A vida dos sem-teto merece nossa compreensão.

A socialite Bibi Abdalla fumava um cigarro na varanda.

–Pensar que tanta gente vai dormir debaixo da ponte…

–Wák. Wák.

A cadelinha Tiffany abanava o rabo.

–Você também tem peninha, né, Tiffany?

–Wák. Aííínn…

–Mas o que é que eu posso fazer?

Doações. Iniciativas. Voluntariados.

–Não tenho tempo nem para te levar passear, né, Tiffany?

–Wak.

O passeador Rodolfo cuidava desse problema com eficiência.

–Dim, dón…

–É ele. Veio te buscar, Tiffany.

–Wák.

Bibi teve a ideia quando Rodolfo entrou pela porta de serviço.

–Faz o seguinte, querido.

Ela apontou vagamente para um armário na suíte de empregada.

–Tá cheio de roupa velha ali.

–Sim, senhora.

–Junta tudo. E entrega para o primeiro mendigo que você achar na rua.

–Aqui, nos Jardins, dona Bibi?

–Ué. O que é que tem?

–Mendigo, aqui nesse bairro… é até privilegiado.

Bibi se irritou.

–E o que você quer que eu faça? Que leve essa tralha até o fim do mundo?

Rodolfo não continuou a discussão.

–A senhora é que sabe.

Uma grande sacola ecológica foi entregue ao primeiro morador da rua da região.

Dois dias depois, instaurou-se a crise no apartamento duplex.

–Rosalva. Cadê o tênis que eu pus para você lavar?

–Qual, dona Bibi?

–Aquele amarelinho… tipo masculino.

–Wák, wák… grrrr…

Rosalva não tinha explicações a dar.

Foi quando chamaram da portaria.

–Tem um mendigo querendo falar com a senhora.

Tratava-se de Férgusson. Simpático sem-teto conhecido na região.

Pela câmera interna, Bibi viu que o assunto era importante.

–Esse tênis aqui, dona… todo sujo e estragado…

–Ai, meu querido… você achou?

–Vi que era o tal do Balenciaga.

A grife pede cerca de dez mil reais pelo xexelento item da moda.

–Não era coisa para o meu bico…

–Claro que não, meu amor.

–Então estou devolvendo para a senhora.

–Você é um anjo, querido.

Férgusson recebeu uma pequena gratificação.

A doméstica Rosalva foi despedida.

–Sabe menos que aquele mendigo. Não dá pé.

Manter-se informado é dever de todos.

Rodolfo teve o mesmo destino.

–Coitado. Muito sem noção.

Faltam príncipes neste país.

Mas há sempre Cinderelas perdendo o sapatinho.

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