Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Descrição de chapéu Rússia

Cozinha da paz

Nos concursos culinários, o espírito brasileiro pode trazer mais diplomacia

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Broncas. Sabores. Temperos.

É a volta do MasterChef.

O programa emplaca sucessos de audiência.

Na emissora rival, era preciso fazer alguma coisa.

–Vocês conhecem algum cozinheiro francês?

Pierre era o dono de um simpático bistrô na zona sul.

O La Chochotte.

–Ah. Já estive lá.

–Será que ele topa fazer um programa com a gente?

Pierre foi contatado.

–Prrogrrame de culinárre? Fásseme o favórre.

O sorriso dele era de superioridade.

–O brrasilérre non está prreparrade.

–Aí que está, Pierre. Nossa ideia é diferente…

Um programa mais avançado. Sofisticado.

–A gente traz refugiados de toda parte do mundo.

–E eles vón cozinharre parra mim?

–Isso… ucranianos… sírios… venezuelanos.

Pierre ficou curioso. Mas logo foi avisando.

–Non querro serr bonzinhe.

De fato. As cenas eram humilhantes.

–Jógue essa porcarrie no lixe.

Do lado de fora da emissora, um pequeno grupo de moradores de rua fazia fila.

–Esses coitades pénse que vón ganharre arroz e feijón.

O mendigo Férgusson se aproximou de forma respeitosa.

–Seu Pierre…

–Sai prra lá, seu fedorrente.

Férgusson segurava um toco de lápis e um papelão.

–É para pedir o seu autógrafo, seu Pierre…

Era grande a humildade do sem-teto.

–Sou um grande admirador do seu trabalho.

Pierre assinou resmungando.

Esperando o uber, a ucraniana Maklova chorava.

Pierre quis consertar os efeitos da bronca.

–Non chorre, menine. Eu te dou meu autogrrafe tonbém.

A raiva persistia na alma daquele jovem talento culinário.

–Idioty. Sem coratsyi.

Férgusson chegou mais perto.

–Não fica assim, Maklova… ele é grosso, mas depois você acostuma.

Um sorriso se esboçou no rosto da refugiada.

Férgusson concluiu sua missão diplomática.

–Pede desculpa para ela, seu Pierre.

–Verrdád, Maklóve. Eu exagerrei um pouque.

–Tá shertyi. Na semanyi que veny eu melyorsk.

Parecia amenizar-se o frio da noite paulistana.

É como dizem.

Se todos se sentarem em torno de uma mesa, o diálogo progride.

O difícil é quando já não tem mais comida no prato.

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