Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Tradição paulista

Revolução de 32 ainda é lembrada numa cidade em pé de guerra

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História. Lembrança. Tradição.

Dona Valeriana se orgulhava.

--A Revolução de 32, meu filho.

O povo paulista entrava em guerra contra o resto do Brasil.

--Pena que a gente não se separou de vez.

A família dela tinha sólidas raízes na economia cafeeira.

--Ficar aguentando esses nordestinos.

Ela suspirava.

--Começou tudo com o Getúlio Vargas.

O chá de erva cidreira esfriava na xícara.

--Daí para a frente, tudo só foi para pior.

A anciã tocou a sineta de prata.

Era para chamar a empregada.

--Hum. A Doralva está mais surda do que eu.

A tarde espalhava tons de roxo naquele salão de Higienópolis.

--Se o meu finado marido visse o que fizeram desse bairro...

Prédios. Mendigos. Congestionamentos.

--Eram só casas boas... com jabuticabeira no quintal.

O retrato na parede era do dr. Botelhinho Prado.

--Meu pai. Capitão de cavalaria na nossa revolução.

O corpo heroico do dr. Botelhinho repousava no Obelisco do Ibirapuera.

--E essa empregada? Não aparece?

Ouviram-se passos lentos pelo corredor.

Os cristais estremeceram no aparador.

--Doralva? É você?

Surgiu um vulto masculino.

Alto. Barba preta. Porte imponente.

As botas e a arma de cano grosso sugeriam uma personalidade histórica.

--Borba Gato?

Em Santo Amaro, está de pé a estátua do antepassado bandeirante.

--Não, senhora.

Tratava-se do cabo Romão. Da PM paulista.

--Dois malandros entraram aqui no jardim da senhora.

--E a Doralva não viu?

--Saiu correndo. Mas pode ficar tranquila.

Saía ainda fumaça do fuzil de Romão.

--Acabamos com a raça dos dois.

--Hã.

--Agora, a má notícia é que a Doralva...

--O que é que tem?

--Sabe como é... escurinha, saiu correndo... terminou levando bala também.

Dona Valeriana sorriu com certa tristeza.

--Então, meu filho, aproveitando que você está aí...

Ela estendeu para Romão a xícara de chá.

--Esquenta o chazinho para mim.

--Missão dada é missão cumprida, dona Valeriana.

Toda guerra tem suas vítimas.

Mas nunca falta chá para quem se mantém no mesmo lugar.

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