Desejo. Romantismo. Paixão.
É o Dia dos Namorados.
Elpídio era um velho militante de esquerda.
–Só comércio. Interesse financeiro.
A inflação corrói os ganhos da classe média.
–E ainda assim querem que a gente gaste dinheiro.
Ele abriu uma nova garrafa de conhaque.
–Por sorte, estou fora desse público-alvo.
Seu último envolvimento amoroso datava de 2006.
–A Solange. Inventou de apoiar a Marina Silva.
O gole de Dreher veio com um gosto amargo.
–Traidora do proletariado.
A tarde caía com rajadas de frio para os lados de Santa Cecília.
–Vai ver até que apoiou o impeachment da Dilma.
Crescia o rancor na alma do velho sindicalista.
–Virou bolsonarista, quem sabe.
Os olhos de Elpídio iam se fechando lentamente.
Ouviu-se o toque insistente do telefone fixo.
–Alô. Elpídio?
–Hã,
–Sou eu, a Solange…
A ideia era lembrar os velhos tempos.
–Posso passar aí?
Elpídio tomou um banho caprichado.
O tubo de Avanço Fresh foi usado generosamente.
A porta do quitinete se abriu.
Uma senhora distinta.
Colar de pérola. Salto alto. Bolsa de grife.
Taierzinho tipo Chanel.
Foi intenso o desprezo de Elpídio.
–Não disse? Se vendeu para a burguesia.
Lágrimas surgiram nos olhos da romântica madame.
–Não me reconhece, Elpídio?
–Claro. Solange. Quanta cara de pau.
–Não, não, Elpídio. Você não está entendendo.
–Então fala.
–Sou a Dilma, meu querido. Precisamos de você nesta batalha.
Atrás dela, Alckmin, Lula e Janja traziam mimos e presentes.
–Conhaque francês, Elpídio. Melhor que esse troço que você toma.
Elpídio estendeu a mão para receber a cortesia.
Encontrou apenas a velha garrafa de Dreher.
A visão política dissipou-se como um sonho.
–E a Solange? Onde será que foi parar?
Namorados somem de vista.
Mas as alianças sempre se renovam.
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