Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Assunto explosivo

Evitar polêmicas políticas pode ser um caminho para proteger os laços familiares

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Divergência. Polêmica. Polarização.

Com a eleição presidencial, alguns lares brasileiros tentam evitar discussões políticas.

Elias avisou a família.

– Pessoal, a tia Neusinha vem almoçar com a gente.

Tratava-se da viúva de um importante pecuarista de Mato Grosso.

– Ela é bolsonarista pra caramba.

– E o que é que veio fazer em São Paulo?

– Falar com o advogado. Coisa de testamento.

– Será que ela vai deixar alguma coisa para você, Elias?

– Pois é. Por isso mesmo.

O velho professor secundarista fez cara séria.

– Não vamos entrar em discussão política.

A filha adolescente se chamava Xauana e já estava olhando para o teto.

– Pai, eu me recuso a ser hipócrita.

– Mas, filha, ela é uma senhora de idade...

– A herança dela não vai comprar o meu silêncio.

O idealismo dos jovens merece, sem dúvida, a admiração de todos.

Elias respirou fundo.

– Mas aí já é besteira, Xauana.

– Dinheiro de pecuarista? Você vai aceitar isso?

– Ué. Não estou fazendo nada de errado.

– É cúmplice, papai. Cúmplice de um crime.

Elias foi perdendo a paciência.

– Muito bem. Então você pega a sua parte da herança...

As duas mãos fizeram um gesto horizontal.

– E faz doação. Para a associação dos índios, para o fundo da Amazônia...

Elias tomava fôlego.

– Para o que bem entender.

O silêncio foi prolongado no pequeno apartamento perto da PUC.

O interfone avisou.

– Dona Neusinha subindo.

A pequena senhora estranhou o clima.

– Ué. Morreu alguém?

– Não, não, hehe... e aí, tia, como foi a conversa com o advogado?

– Advogado? Que advogado?

Ela tinha mais ou menos esquecido a questão do testamento.

– Vim ver o show do Roberto Carlos...

Xauana olhou Neusinha com desprezo.

– Ah... ainda gostam muito dele lá no Mato Grosso, né?

Dona Neusinha ficou sem entender.

Xauana continuou.

– Ou você prefere dupla sertaneja? Daquelas que apoiam o B...

Elias levantou-se bruscamente do sofá.

– Cala a boca. Filha, cala a boca, pelo amor de Deus.

Dona Neusinha sorriu.

– Parece que virou moda isso aqui em São Paulo, né?

O Rei já perdeu a paciência com seus fãs.

Xauana saiu batendo a porta do quarto.

– Enquanto eu fico quieta, o rebanho não para de mugir.

– O que foi que ela disse, Elias?

– Nada, nada. Algum videogame que ela anda jogando.

Ele tomou coragem.

– ​Agora, aquela coisa do testamento... acho que é importante...

A liberdade de expressão é um bem inalienável de toda pessoa humana.

Mas, por vezes, o dinheiro é que fala mais alto.

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