Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Voltaire de Souza
Descrição de chapéu forças armadas

Chame os nossos técnicos

Urna eletrônica é segura, mas para alguns militares pouca coisa é inviolável

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Técnica. Disciplina. Competência.

Zelar pelo bom funcionamento das urnas é dever de todos.

O general Perácio estudava o assunto em seu gabinete.

–Precisamos de um plano de trabalho.

O assessor Guarany ia anotando o cronograma.

–Primeiro. Nossos oficiais têm de estar familiarizados com o assunto.

–Que assunto, general?

–As urnas, caramba.

–Perfeito. Deixa eu anotar aqui.

–Antes de tudo, é preciso definir nossa missão com clareza.

–Positivo, general.

–Primeira pergunta. O que é uma urna?

–Bom, general… aquilo onde a gente põe o voto, né?

O tapa explodiu sobre a mesa de jacarandá.

–Tem urna de todo tipo, Guarany.

–Bom, isso é verdade…

–Urna funerária. Urna marajoara. Urna de mármore.

–E urna eletrônica, né, general.

–Aí é que está, Guarany. Aí é que está.

Perácio levantou-se da poltrona.

–Não existe esse negócio de urna eletrônica. Isso é invenção.

–Mas, general… então nós vamos examinar o quê?

–Se abrir aquela joça, não tem nada dentro.

–Deve ter uns circuitos, general… uns chips.

–Não tem voto nenhum. É isso o que eu quero dizer.

Perácio explicava.

–Você abre a tampa de um tanque de guerra. O que tem dentro?

–Soldado.

–Muito bem. Você abre um cartucho de munição. O que tem dentro?

–Pólvora. Explosivo. Detonador. Cápsula.

–Então. O conteúdo dessa geringonça lá do tribunal…

–É um mistério, né.

–Vai encontrar é fio da barba do Fidel Castro.

Guarany tentava argumentar.

–Mas… eles dizem que a urna eletrônica é inviolável… coisa garantida.

Perácio respirou fundo.

–Quer saber o que é inviolável? Quer saber onde ninguém entra?

Os glúteos de Guarany se comprimiram num reflexo involuntário.

Perácio não estava reparando nisso.

–Era a sala de interrogatório do quarto batalhão.

–Ah… era lá que o senhor torturava o pessoal da oposição?

–Exatamente, Guarany. Com toda a técnica disponível da época.

–Com muito sucesso, né, general?

–Aquilo lá tinha segurança máxima, Guarany.

–Com certeza, general.

–Ali sim, o resultado era verdadeiro. Inquestionável. Transparente.

–E sem contestação possível, né.

–O resto, Guarany… o resto não tem garantia de nada.

A tarde se estendia com calma sobre os horizontes de Brasília.

–Chama os nossos técnicos.

–Quais, general? Os de eletrônica ou os de tortura?

A mão de granito explodiu novamente sobre a mesa de jacarandá.

–Obedeça, tenente. E faça o favor de não confundir o sentido da missão.

A democracia, como a eletrônica, tem mecanismos delicados e complexos.

Um tapa na mesa, por vezes, dá seu recado com mais simplicidade.

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