Técnica. Disciplina. Competência.
Zelar pelo bom funcionamento das urnas é dever de todos.
O general Perácio estudava o assunto em seu gabinete.
–Precisamos de um plano de trabalho.
O assessor Guarany ia anotando o cronograma.
–Primeiro. Nossos oficiais têm de estar familiarizados com o assunto.
–Que assunto, general?
–As urnas, caramba.
–Perfeito. Deixa eu anotar aqui.
–Antes de tudo, é preciso definir nossa missão com clareza.
–Positivo, general.
–Primeira pergunta. O que é uma urna?
–Bom, general… aquilo onde a gente põe o voto, né?
O tapa explodiu sobre a mesa de jacarandá.
–Tem urna de todo tipo, Guarany.
–Bom, isso é verdade…
–Urna funerária. Urna marajoara. Urna de mármore.
–E urna eletrônica, né, general.
–Aí é que está, Guarany. Aí é que está.
Perácio levantou-se da poltrona.
–Não existe esse negócio de urna eletrônica. Isso é invenção.
–Mas, general… então nós vamos examinar o quê?
–Se abrir aquela joça, não tem nada dentro.
–Deve ter uns circuitos, general… uns chips.
–Não tem voto nenhum. É isso o que eu quero dizer.
Perácio explicava.
–Você abre a tampa de um tanque de guerra. O que tem dentro?
–Soldado.
–Muito bem. Você abre um cartucho de munição. O que tem dentro?
–Pólvora. Explosivo. Detonador. Cápsula.
–Então. O conteúdo dessa geringonça lá do tribunal…
–É um mistério, né.
–Vai encontrar é fio da barba do Fidel Castro.
Guarany tentava argumentar.
–Mas… eles dizem que a urna eletrônica é inviolável… coisa garantida.
Perácio respirou fundo.
–Quer saber o que é inviolável? Quer saber onde ninguém entra?
Os glúteos de Guarany se comprimiram num reflexo involuntário.
Perácio não estava reparando nisso.
–Era a sala de interrogatório do quarto batalhão.
–Ah… era lá que o senhor torturava o pessoal da oposição?
–Exatamente, Guarany. Com toda a técnica disponível da época.
–Com muito sucesso, né, general?
–Aquilo lá tinha segurança máxima, Guarany.
–Com certeza, general.
–Ali sim, o resultado era verdadeiro. Inquestionável. Transparente.
–E sem contestação possível, né.
–O resto, Guarany… o resto não tem garantia de nada.
A tarde se estendia com calma sobre os horizontes de Brasília.
–Chama os nossos técnicos.
–Quais, general? Os de eletrônica ou os de tortura?
A mão de granito explodiu novamente sobre a mesa de jacarandá.
–Obedeça, tenente. E faça o favor de não confundir o sentido da missão.
A democracia, como a eletrônica, tem mecanismos delicados e complexos.
Um tapa na mesa, por vezes, dá seu recado com mais simplicidade.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.