Brasil entra em guerra cultural com caça às bruxas de conservadores e esquerdistas

Adriano Vizoni/Folhapress
SAO PAULO - SP - BRASIL, 01-10-2017, 16h00: PERFORMANCE NO MAM. Protesto apos os episodios de violencia que aconteceram no Museu de Arte Moderna. Grupos conservadors protestaram contra o fato de que, no museu, uma crianca interagiu com um artista pelado durante uma performance. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, ILUSTRADA) ***EXCLUSIVO FSP***
Manifestação em defesa do Museu de Arte Moderna de São Paulo

Velha conhecida dos EUA e de outros países, a "guerra de valores" ou "guerra cultural", como se queira chamar, marcou o mundo da arte no Brasil em 2017.

A primeira bomba explodiu pouco depois do feriado de 7 de setembro, quando o Santander Cultural cedeu a pressões de movimentos conservadores e decidiu cancelar a exposição "Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira", que estava aberta ao público em Porto Alegre desde 15 agosto -e assim deveria permanecer até 8 de outubro.

O recuo animou a ofensiva nas redes sociais e fomentou a previsível polarização com artistas, movimentos identitários, simpatizantes da esquerda e representantes de ideias liberais. Principal articulador da campanha, ao lado de instituições religiosas, o grupo de direita MBL (Movimento Brasil Livre) difundiu a versão –que não se sustentava– de que a mostra estimulava a pedofilia e a zoofilia. Em meio a rojões dos dois lados, o caso foi parar numa Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado.

Poucos dias depois do fechamento da mostra, um vídeo postado nas redes sociais exibiu uma criança tocando um artista desnudo que fazia uma performance baseada na obra "Bicho", de Lygia Clark, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Novos bombardeios. Parecia não haver outro assunto no país, além da associação entre arte, artistas e pedofilia que dominava o teatro de operações das redes sociais. Logo voltou à baila a relação entre Caetano Veloso e sua mulher, Paula Lavigne -que deixou de ser virgem com o cantor, quando tinha 13 anos de idade. Lavigne, uma liderança do grupo #342Artes, havia ajudado a mobilizar artistas em defesa da mostra do Santander e da performance do MAM. A hashtag #caetanopedófilo bombou no Twitter.

Ao mesmo tempo, políticos, como os prefeitos do Rio, Marcelo Crivella (PRB), e de São Paulo, João Doria (PSDB), jogavam gasolina na fogueira, endossando a marcha conservadora. Tudo isso em meio a decisões polêmicas, como a censura por parte de juízes à exibição da peça "O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu" e a apreensão de uma obra, pela polícia, em Campo Grande (MS), novamente sob alegação de incentivar a pedofilia.

A caça às bruxas também atingiu a filósofa norte-americana Judith Butler, que supostamente promoveria a " ideologia de gênero" numa palestra no Sesc Pompeia –que na realidade versava sobre os fins da democracia.

Bruxas também foram caçadas por esquerdistas e movimentos identitários. Foi o caso da exibição do documentário "O Jardim das Aflições", sobre o filósofo conservador Olavo de Carvalho, que terminou em pancadaria na Universidade Federal de Pernambuco, no Recife. Militantes de grupos de esquerda opunham-se à projeção e promoveram um espetáculo de intolerância.

Menos agressiva, mas sintomática, foi a reação de representantes do movimento negro contra o filme "Vazante", da diretora Daniela Thomas, acusada de conformismo e desqualificada por não ser negra, um tipo de conflito comum nos EUA. "Apanhei como se fosse o mais vil dos inimigos", disse a cineasta.

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