Muitos imaginaram que, passado um período de maturação, a eleição de Donald Trump nos EUA e a vitória do "brexit" no Reino Unido se transformariam em vacinas fortes o suficiente para evitar a repetição de fenômenos semelhantes. Em 2018, segundo esse raciocínio, as fake news já não teriam lugar de destaque.
A disputa presidencial no Brasil não só arruinou essa previsão como também mostrou como é temerário arriscar um palpite nessa seara.
Ainda assim, há um jeito de tornar a aposta mais segura: basta esperar o pior. Existem pelo menos dois bons motivos para esse pessimismo, pelo menos do ponto de vista brasileiro.
Ilustração Giovani Flores | ||
O primeiro é a vitória de Jair Bolsonaro(PSL). Nada indica que ele vá abandonar sua preferência pelas redes sociais como fonte de comunicação oficial. Ou seja, ao longo de 2019, o presidente vai emprestar força a plataformas que facilitam e estimulam a disseminação de notícias falsas.
Ele não age assim por acaso. Sabendo que o jornalismo profissional se propõe a relatar os acontecimentos de modo isento, Bolsonaro foge ao contraditório e escolhe um canal no qual pode difundir as "suas" verdades. Em outras palavras, procura esvaziar a chamada grande imprensa porque pretende borrar a distinção entre notícia e falsidade.
Seu objetivo provavelmente é pessoal –quer desacreditar reportagens reveladoras daquilo que se pretendia esconder. Os efeitos, contudo, são gerais –aumenta a confusão na internet, dificultando a vida de quem quer se informar corretamente e não sabe para onde olhar.
O segundo motivo para pessimismo é o avanço tecnológico.
Especialistas dizem que será cada vez mais fácil produzir e disseminar as "deep fake" (falsificações profundas). Elas são assustadoras.
Esqueça a tradicional notícia falsa e as trucagens baratas que há muito circulam na internet. Na era das "deep fake", será possível fabricar áudios e vídeos falsos indiscerníveis dos verdadeiros. Pode-se imaginar o estrago que farão no ambiente das redes sociais.
Em algum momento as pessoas se darão conta de que é fundamental ter uma bússola para navegar em meio às notícias falsas. Se não porque pega mal repetir mentiras, ao menos porque alguém desinformado tende a sair-se pior no mercado de trabalho mais sofisticado.
Algumas pesquisas já mostram que parcela majoritária da população diz que sites de notícias são as fontes mais confiáveis na internet.
É razão para esperança, sem dúvida. Mas leva tempo até que isso se traduza como comportamento coerente nas redes sociais.
No primeiro ano de Bolsonaro e com o avanço das "deep fake", o cenário ainda vai piorar antes de melhorar.
Uirá Machado, bacharel em direito e em filosofia, é secretário-assistente de Redação. Foi editor da Ilustríssima e de Opinião, repórter de Poder e coordenador de Artigos e Eventos.