Governo Bolsonaro pode chacoalhar diretrizes que norteiam as relações exteriores do Brasil

A política externa não será assunto secundário para Jair Bolsonaro, como foi nos últimos dois governos brasileiros. O presidente promete chacoalhar cada diretriz que norteou as relações exteriores do país, de alianças bem estabelecidas ao ideário de predileção.

Derrubar o que está feito pelo prazer de demolir não costuma trazer bom resultado, o que não significa que alguns cânones, em um mundo que muda depressa, não peçam revisão.

O novo chanceler, Ernesto Araújo, guarda um lado voluntarista, movido a paixões, e um pragmático, que o conduziu durante seus 29 anos no Itamaraty. É requisito para que essas mudanças ocorram sem sobressalto que o segundo prevaleça.

Duas relações devem pautar suas preocupações nos próximos 12 meses, ambas nas mãos de indivíduos instáveis. A primeira é com os EUA de Donald Trump, que Bolsonaro promete visitar no primeiro trimestre. A eleição de um conservador populista encantado com o liberalismo agradou a quem decide em Washington; se isso tornará o Brasil relevante a seus olhos resta ver.

Não somos aliados estratégicos nem parceiros comerciais preferenciais. O republicano, por sua vez, entrará em "modo reeleição", com a emergência de nomes democratas a lhe fazer frente no pleito de 2020 e a evolução de um inquérito por obstrução da Justiça. É difícil esperar que seus planos cheguem além da própria pele.

Isso poderia mudar, contudo, com o agravamento da crise na Venezuela, a segunda relação-chave para o Brasil em 2019 (a terceira, a Argentina, terá seu próprio teste ao liberalismo com eleições presidenciais no fim do ano).

O regime de Nicolás Maduro apodrece em velocidade notável, e já se fazem ouvir vozes defendendo uma atuação conjunta de EUA, Brasil e Colômbia –que também se moveu para a direita com a eleição de Iván Duque.

O êxodo pelo continente bate recordes, em movimento comparável somente ao de zonas de guerra. A ONU se comprometeu com ajuda humanitária e os países vizinhos acionam tribunais internacionais; a onda humana que deixa a Venezuela, porém, não espera os tempos das instituições. A ascensão de novos líderes regionais pode ser o empuxo para uma solução contundente, não necessariamente positiva.

Tudo isso transcorre em um cenário de desaceleração da economia global, avanço de protecionismos e nacionalismos, hostilidade entre Washington e Pequim (que, por sua vez, projeta sua ambição de liderança sem que
tenhamos aqui política clara para a Ásia) e de turbulência na Europa, onde as rachaduras se irradiam, a Rússia volta a brincar de Guerra Fria, a Turquia sucumbe à autocracia e Itália, Polônia e Hungria, ao populismo.

O "brexit", divórcio britânico da União Europeia, ganha tração; os líderes que nos últimos anos deram cara ao europeísmo, a alemã Angela Merkel e o francês Emmanuel Macron, perdem a aura de unanimidade, e nem a Igreja Católica escapa de seu maremoto.

As cartas podem estar dadas, mas o ventilador está ligado na potência máxima.

Luciana Coelho, editora de Mundo, foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington.

Publicidade
Publicidade