Na era da 'lacração', radicalização política deve causar empobrecimento no campo das artes

Alguns agora querem romantizar um duro passado. No campo da esquerda, por exemplo, haverá quem acredite que a eleição de Jair Bolsonaro e a ascensão do conservadorismo possam fazer a arte brasileira florescer como nas décadas de 1960 e 1970.

Esse pensamento não passa de uma ficção política e cultural. Nem a política é a mesma do regime militar nem as artes são as mesmas do período. A pensar pelo que vem acontecendo nos últimos anos, o mais provável é que a radicalização política produza o contrário: o empobrecimento da arte.

Não se trata de um apocalipse estético, é claro, mas a política que nos últimos anos se infiltra no mundo cultural tem uma natureza diferente. A nova geração não foi politicamente forjada do mesmo modo que antes –agora, os jovens constroem sua consciência crítica com slogans de quinta categoria na internet.

Colagem: Alex Kidd

É uma formação em tudo mais superficial. Nela, o gênero do momento é o textão e o principal objetivo, a chamada "lacração". O termo, popularizado na internet, significa encerrar uma discussão polêmica com uma frase de efeito. É o contrário do debate, porque tenta promover o silenciamento do rival.

Isso acontece em um contexto de chegada ao Brasil das guerras culturais, o embate entre direita e esquerda no campo das artes e dos costumes, um confronto focado mais em temas morais.

A repercussão no mundo da cultura é evidente. Para animar a militância, conservadores continuarão a tentar promover expurgos da indecência nas artes –entre algumas acusações, está a existência de uma suposta ideologia de gênero.

Como esse embate se mostra politicamente eficiente, é possível esperar em 2019 mais casos como a censura à exposição "Queermuseu", de 2017, ou uma santa purificação nas listas de livros que o governo distribui para escolas.

Já à esquerda, a lacração se converte em obras de arte, cada vez mais comuns, que se reduzem a panfletos –sempre voltados para uma pregação aos já convertidos. O bom-mocismo –e a sinalização da própria virtude para o mundo– se transforma em valor estético.

Já é um problema que o espectador agora veja a arte como documento, manifesto ou peça de sociologia –confundindo, por exemplo, a opinião de um personagem com a do autor. Mas a situação fica mais grave quando os próprios artistas acreditam que seu papel seja produzir obras do tipo, ainda mais quando a dicção política das redes vem a reboque

Maurício Meireles é repórter e colunista da Folha.

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