Uma pintura escondida sob a obra de Pablo Picasso (1881-1973) intitulada "The Crouching Beggar" (mendigo agachado, em tradução livre, e originalmente "La Miséreuse accroupie") foi encontrada por pesquisadores. Além disso, a partir de novas tecnologias de imagem, puderam entender um pouco mais sobre o processo criativo do artista.
A pesquisa foi divulgada na reunião anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em Austin, Texas.
Os cientistas utilizaram técnicas avançadas de fluorescência de raio-X e espectrometria na região da luz infravermelha. Com a tecnologia, foi possível desenvolver mapas químicos das diferentes tintas na obra de Picasso datada de 1902, parte do período azul do pintor.
Chumbo, zinco, cádmio e bário puderam ser mapeados, o que possibilitou a visualização das camadas da obra.
Segundo Aggelos Katsaggelos, da Universidade Northwestern, nos EUA e um dos autores do estudo, isso permitiu ver que algumas dessas camadas não coincidiam com a pintura final.
Katsaggelos afirma que há algum tempo, a partir do uso de raios-X, já é conhecida a existência da pintura abaixo de "The Crouching Beggar". Contudo, até hoje não se sabe quem é o autor da obra escondida —uma paisagem montanhosa com uma construção próxima ao centro—, mas há especulações ligando-a a Joaquin Torres-Garcia.
"Talvez seja de um amigo que tenha dado um presente e Picasso pensou: 'É bonita, mas não tão bonita a ponto de eu não poder fazer melhor uso da tela'", afirma, rindo, o pesquisador da Universidade Northwestern, segundo o qual, em breve, deve haver mais novidades sobre a autoria da obra oculta.
Não é incomum encontrar pinturas sobrepostas nas obras que conhecemos hoje do período azul de Picasso. Nessa época, o artista ainda não era um pintor estabelecido e não se encontrava financeiramente estável. Por isso, em alguns casos optava por pintar por cima de quadros que já tinham sido utilizados —algo que não era um comportamento exclusivo dele.
A maior revelação do recente estudo, contudo, diz respeito ao processo criativo de Picasso. Por meio das novas técnicas e a visualização das diferentes camadas de tinta, foi possível perceber o especial cuidado que o pintor teve com a mão da personagem do quadro.
"Ele passou muito tempo tentando aperfeiçoar essa parte particular da pintura, mas, no fim, ele não conseguiu e preferiu cobrir a mão [no quadro que conhecemos, essa parte do corpo está escondida sob um pano]", diz Katsaggelos à Folha.
Segundo o pesquisador, a obra foi feita quando Picasso tinha cerca de 20 anos, portanto, ainda "estava formando sua identidade artística. É quase natural que ele fosse mudar de ideia e não ficar feliz com partes da pintura".
A tecnologia desenvolvida é portátil (discreto, o aparato estava no fundo da sala em que se apresentaram os pesquisadores em Austin) e relativamente barata, o que facilita o estudo dos quadros.
Katsaggelos afirmou que, na sexta (16), esteve com o aparelho no museu Harry Ransom Center, da Universidade do Texas, em Austin, para análise de outras obras de arte.
O projeto para estudo do quadro foi apoiado pela Galeria de Arte de Ontário, no Canadá, onde a obra se encontra.
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