Mamífero brasileiro da Era dos Dinossauros homenageia David Bowie

Animal ancestral é aparentado dos marsupiais e dos tatus

São Carlos

Pela primeira vez, um mamífero brasileiro da Era dos Dinossauros ganha nome e sobrenome —os quais, aliás, conferem-lhe ares de astro do rock. O Brasilestes stardusti, batizado em homenagem ao roqueiro David Bowie (1947-2016), era um pequeno gigante entre os demais mamíferos que viviam no planeta entre 80 milhões e 75 milhões de anos atrás.

Ilustração de como, possivelmente, seria o Brasilestes stardusti, o primeiro mamífero brasileiro identificado como da Era dos Dinossauros; animal é semelhante a um gambá moderno (o nome faz uma homenagem ao cantor David Bowie, por isso, a ilustração do animal apresenta um raio no rosto)
Brasilestes stardusti, o primeiro mamífero brasileiro identificado como da Era dos Dinossauros - Divulgação

Isso porque o bicho, identificado com base em um único dente oriundo das rochas de General Salgado (interior paulista, perto de São José do Rio Preto), provavelmente era cerca de três vezes maior que seus contemporâneos, alcançando talvez uns 50 cm de comprimento, como os gambás de hoje.

Também está claro que ele pertencia ao grande grupo que inclui os mamíferos placentários (como o homem) e marsupiais (como os próprios gambás e os cangurus) modernos, embora seja cedo para ter uma ideia mais específica de sua posição no álbum de família de nossos parentes.

A descrição do B. stardusti está em artigo na revista especializada Royal Society Open Science e só foi possível graças a uma série de golpes de sorte. É o que afirma a primeira autora da pesquisa, Mariela Castro, da Universidade Federal de Goiás.

No final de 2015, ela e o colega Júlio Marsola combinaram de levar alguns alunos da USP de Ribeirão Preto para conhecer a fazenda Buriti, uma rica jazida de fósseis de General Salgado, junto com o especialista em crocodilos extintos Felipe Montefeltro, da Unesp de Ilha Solteira. E, de fato, os aparentes extintos dos jacarés são maioria absoluta no sítio paleontológico —cinco espécies diferentes já foram identificadas ali.

“A gente estava caminhando pelo sítio quando o Júlio conseguiu ver o dente ‘in situ’ [ainda nas rochas]”, contou a pesquisadora à Folha.

Haja visão aguçada: era um fragmento de pré-molar de apenas 3,5 mm —bem maior que a da maioria dos demais mamíferos da Era dos Dinossauros, cujos dentes em geral têm em torno de 1 mm, mas ainda assim muito pequeno.

Mariela também era a única especialista em mamíferos da equipe, que se dedica mais ao estudo de crocodilos e dinossauros. Encafifada com a descoberta, ela logo confirmou que se tratava de um parente distante dos seres humanos, graças aos sinais da presença de raízes no dentinho e à estrutura que inclui uma cúspide (parte elevada do dente) e uma depressão, que ela compara à bacia de um pilão.

A junção desses elementos é a marca registrada dos tribosfênidos, como é conhecido esse grupo amplo de mamíferos. Nos molares dos tribosfênidos, isso permite cortar e moer o alimento no mesmo dente, facilitando o processamento de comida.

Junto com colegas argentinos, que possuem mais dados sobre os mamíferos dessa época graças à relativa abundância de fósseis desses bichos na Patagônia, a pesquisadora começou a comparar o pré-molar de General Salgado com a dentição de outras espécies extintas, mas nada era muito parecido. O que mais se aproxima é uma espécie da Índia, o Deccanolestes hislopi, um eutério (ou seja, da linhagem que desemboca nos mamíferos placentários de hoje).

No nome científico usado para batizar o bicho, a terminação “lestes” vem do termo grego para “ladrão, bandido” (considerando que talvez fossem animais furtivos e noturnos, como os próprios gambás), enquanto stardusti é uma referência a Ziggy Stardust, personagem inventado por David Bowie que é uma espécie de alter ego do cantor.

“Todo mundo da equipe é fã de Bowie, mas o pior é o Max”, explica a pesquisadora, referindo-se a outro autor do estudo, Max Cardoso Langer, professor da USP de Ribeirão Preto e especialista em dinossauros primitivos do Brasil.

Ninguém sabe muito bem por que é tão difícil achar mamíferos dessa época no Brasil. É possível que eles simplesmente fossem pouco abundantes, talvez pela competição com os mais variados tipos de crocodilos terrestres, os quais ocupavam os papéis ecológicos que, em outros lugares, caberiam a mamíferos.

Outra possibilidade, explica Mariela, é que eles fossem justamente o jantar predileto dos crocodilos —e o sistema de digestão desses bichos retira quase totalmente o conteúdo mineral dos ossos e dos dentes de suas presas. Com isso, só sobrava a parte orgânica do esqueleto dos mamíferos comidos, que então se decompunham com facilidade, sem se fossilizar.

Um detalhe intrigante a respeito do pré-molar é o esmalte finíssimo que o recobre. Há considerável similaridade entre essa característica e o que se vê em tatus, e o grupo a que os tatus modernos (e também as preguiças e tamanduás) pertencem pode ter surgido na própria América do Sul.

De quebra, estimativas sobre a idade de origem desse agrupamento, baseadas em análises de DNA, ficam em torno de 80 milhões de anos. Ainda é cedo para ter certeza, mas a pesquisadora, que estuda tatus modernos também, talvez tenha descoberto o tataravô deles.

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