Na Rússia, ativistas fazem tour guiado para discutir direitos dos LGBT

Projeto Copa do Povo também discute questões ambientais e mapa de consumo responsável

Pessoas olham estádio em construção

Ativistas e turistas olham para a construção de um dos estádios da Copa do Mundo, em São Petersburgo Victoria Chufarova

Angelina Davidova
Jornal Kommersant, Rússia

A Copa do Mudo da Fifa está acontecendo na Rússia e uma rede de ativistas e empreendedores sociais da sociedade civil de São Petersburgo lançou uma campanha chamada Copa para o Povo. A ideia é oferecer um programa alternativo para os milhares de torcedores de futebol que estão chegando de todo o mundo.

Pessoas andam e tiram fotos perto de construções
Uma visita guiada (de locais para locais) ao redor de São Petersburgo - Alina Zvereva

De excursões guiadas por moradores locais, que falarão sobre os direitos dos LGBT e questões ambientais, a um mapa de consumo responsável, a campanha espera promover a conscientização sobre diferentes aspectos da vida social na Rússia, e ao mesmo tempo fomentar a diversidade, tolerância e desenvolvimento sustentável, nos setores de alimentação, varejo e turismo.

Por trás da campanha está a ativista Olga Poliakova, 31, engajada em educação cívica, movimentos de cooperação entre os cidadãos, e economia circular. "Eu estava em Hamburgo, Alemanha, quando a reunião do Grupo dos 20 (G20) aconteceu lá [em 2017], e vi o tipo de programas alternativos que os ativistas locais ofereceram —com ações, discussões e performances", ela diz. "Em quase todos os países, existem pessoas que criticam esses megaeventos, normalmente financiados por fundos públicos mas que beneficiam principalmente os políticos e as grandes empresas. Por isso pensei em criar um programa alternativo semelhante para São Petersburgo."

No começo de 2018, Poliakova reuniu cerca de 30 ativistas de ONGs e organizações da sociedade civil locais a fim de criar o programa, que inclui debates sobre o impacto dos eventos esportivos, visitas guiadas a bairros menos conhecidos de São Petersburgo, e excursões temáticas com informações sobre os direitos dos LGBT e questões sociais e ambientais, como as condições de vida dos moradores de rua, ou iniciativas de reciclagem nascidas na comunidade. Tudo isso em inglês.

Além disso, há um mapa para ajudar os turistas a localizar as sedes dos movimentos de defesa dos direitos humanos na cidade. Haverá reuniões com dissidentes da era soviética e com representantes da Anistia Internacional. Um projeto da Live Library organiza palestras com pessoas que sofrem por conta de estereótipos —a saber, membros da comunidade LGBT e deficientes físicos. A iniciativa Bares Sem Violência ensina aos bartenders locais como reagir a incidentes de violência de gênero e de assédio contra mulheres.

"Gostaríamos de mostrar a São Petersburgo que existe alguma coisa além dos clichês turísticos, e que os problemas na maioria dos países —a relação entre os cidadãos e o Estado, a corrupção, a influência dos megaprojetos na vida urbana, nossa percepção contemporânea da história, desigualdade social e discriminação— são semelhantes aos do nosso país, aos olhos dos moradores locais que estão tentando melhorar a sociedade", diz Arsene Konnov, curador do programa de excursões, pesquisador de urbanismo e guia turístico.

Algumas dessas iniciativas também se estendem a Moscou. A expectativa de público estrangeiro na Copa é de até 1,5 milhão de pessoas —mais de 400 mil só em São Petersburgo.

Um dos parceiros da campanha Copa para o Povo é a Fare Network, uma rede de ativistas que une militantes e organizações da sociedade civil que promovem a igualdade e a diversidade, usando o esporte como meio de promover a mudança social. A rede abriu duas "Casas da Diversidade" —uma em São Petersburgo e uma em Moscou— para sediar eventos como debates e exposições.

Também publicou um "Guia sobre a Diversidade na Rússia", que trata dos riscos e dos desafios que diferentes minorias e ativistas da sociedade civil enfrentam no país, e lançou um serviço de emergência no WhatsApp para ajudar os visitantes, se necessário.

"Grandes eventos esportivos são uma oportunidade de falar sobre os direitos humanos, sobre o papel das minorias, sobre a diversidade —tanto nos campos de futebol quanto nas demais áreas da sociedade. E considero que isso seja um instrumento para mudanças sociais positivas", diz Pavel Klymenko, o diretor de desenvolvimento da Fare Network para a Europa Oriental.

Com apoio de especialistas em questões ambientais e sustentabilidade, os ativistas também criaram um mapa de consumo sustentável, depois de uma avaliação rigorosa das práticas diárias dos cafés, bares e restaurantes locais, e das lojas de artesanato e de presentes.

Os principais critérios são ambientais (gestão de resíduos, eficiência energética e hidráulica, uso de produtos orgânicos locais) e também sociais e éticos (termos e histórico de emprego, falta de discriminação, apoio a ou organização de eventos educativos e culturais, fomento às comunidades urbanas).

Os organizadores da campanha esperam que essas iniciativas continuem depois do evento esportivo, para ajudar a cidade a desenvolver sustentabilidade em longo prazo.

"Esperamos bom número de participantes no programa. A tendência de turismo ético e sustentável tem muita força na Europa. Também percebemos crescente interesse do setor de serviços pela sustentabilidade na Rússia", diz Iúlia Gracheva, diretora da Ecounion, uma ONG ambiental que confere selos ecológicos a empresas na Rússia e também participa da Copa para o Povo.

"Espero que ao convidar cafés e bares a entrar no mapa, ajudemos a desenvolver iniciativas e facilitemos para que as empresas divulguem suas melhores práticas ecológicas", ela acrescenta. "Espero muito que esse mapa se mantenha depois da Copa do Mundo e ajude o setor local de alimentação a avançar na direção da sustentabilidade."

Tradução de Paulo Migliacci

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