Patriarca da física teórica no Brasil faz 90 anos pesquisando até aos sábados

Nascido na Polônia em 1928, Abraham Zimerman vai todos os dias para a Unesp

Reinaldo José Lopes
São Paulo

Nascido no interior da Polônia em 1928, Abraham Hirsz Zimerman veio para o Brasil por volta dos cinco anos de idade e foi morar com a família no porão de uma casa, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. 

“A verdade é que eu nem me importei muito com isso. Foi uma época bastante feliz, pelo que me lembro, talvez porque logo me enturmei com a molecada que brincava nas ruas do bairro”, diz Zimerman, hoje professor emérito do IFT (Instituto de Física Teórica) da Unesp.

O físico, que completa 90 anos de idade nesta semana e está aposentado desde 1995, sai bem cedo todas as manhãs de Higienópolis, onde mora, pegando ônibus e/ou metrô e caminhando um pouco, com a ajuda da bengala, para chegar ao IFT, na Barra Funda.

Fica no instituto até as 14h todos os dias, inclusive aos sábados, trabalhando com seus orientandos (atualmente, um aluno de mestrado e outro de doutorado) e rabiscando equações na lousa ou na papelada que se avoluma em sua sala (ele diz que “se acha” com facilidade em meio à bagunça). Também costuma ser um participante empolgado dos seminários e demais eventos que acontecem no instituto.

“Meu pai se aposentou aos 65, e isso foi a desgraça da vida dele”, conta Zimerman. “Viveu mais 15 anos, que foram os piores. Depois que o vi falecer em condições horríveis, decidi que nunca ia me aposentar.”

A especialidade do pesquisador é a chamada física matemática, ou seja, a aplicação de métodos matemáticos para desenvolver novas teorias sobre como o Universo funciona. Boa parte de sua carreira foi dedicada à análise do mundo das partículas subatômicas.

No Brasil, foi um dos pioneiros, durante os anos 1980, do estudo da chamada supersimetria. Essa teoria prevê a existência de simetrias (daí o nome) entre dois tipos de partículas, os bósons (como o fóton, a partícula da luz) e os férmions (como os elétrons). As partículas de uma categoria teriam “superparceiras” na outra, segundo as previsões da teoria, até hoje não verificada experimentalmente. Caso a ideia um dia se revele correta, ainda haveria dezenas de novas partículas fundamentais a serem descobertas por aí.  

O tema parece tremendamente distante do cotidiano, mas Zimerman lembra que muitas ideias como essa, antes restritas ao âmbito teórico, acabaram se revelando sementes fundamentais para novas tecnologias e indústrias inteiras.

“A nanotecnologia, que hoje é muito importante, foi proposta originalmente por um físico teórico”, diz ele, referindo-se ao americano Richard Feynman (1918-1988), ganhador do Nobel e responsável por apontar as possibilidades da manipulação individual de átomos numa palestra intitulada “Há muito espaço lá embaixo”, em 1959.

Para o cientista, o interesse pela matemática precedeu o mergulho na física. Alguns anos depois da chegada ao Brasil, Zimerman ajudava o pai, que se tornara mascate depois de perder tudo na crise financeira de 1929, a vender mercadorias de porta em porta durante o dia, e estudava à noite. 

“Das 23h à meia-noite, quem dava aula era o professor Oswaldo Sangiorgi, que publicou vários livros didáticos de matemática. Mesmo nesse horário ele conseguia segurar a turma —era impressionante o homem”, recorda.

Inspirado por Sangiorgi, ele passou a se destacar nos estudos e deixou de acompanhar o pai, preferindo ganhar uns trocados dando aulas particulares de matemática para os colegas. Foi um desses colegas que lhe falou da possibilidade de tentar o curso da física no vestibular da USP —na época, realizado em exames orais. “Até então eu nem tinha ideia de que essa profissão existisse.”

Na adolescência, o interesse por problemas e enigmas lhe rendeu até um pequeno prêmio — pelo rádio.

Junto com os amigos, Zimerman acompanhava as aventuras do detetive Dick Peter (apesar do nome, personagem 100% nacional), e os ouvintes eram incentivados a mandar para a rádio seus palpites sobre quem seria o assassino da trama. 

O estudante acertou e foi premiado com romances de aventura que faziam sucesso entre jovens brasileiros na época: “Tarzan” e obras do italiano Emilio Salgari (1862-1911), ambientadas em locais como o Velho Oeste ou o Extremo Oriente.

Zimerman está no IFT desde 1954, quando ele ainda era uma instituição independente, sem ligação com universidades. Ajudou a criar o programa de pós-graduação do instituto, em 1971, e quase teve de vê-lo fechar as portas em 1985, por causa da falta das verbas federais que o mantinham. 

A incorporação do IFT à Unesp salvou o órgão e permitiu que hoje ele abrigue grupos de pesquisa de alto nível. Para ser contratado como professor da universidade estadual, Zimerman precisou obter o título de doutor, coisa que nunca se preocupara em fazer, apesar das numerosas publicações em periódicos científicos. Resultado: acabou se “autorientando” —e defendeu o doutorado diante de uma banca formada por pesquisadores que ele próprio examinara em defesas anteriores.   

O físico prefere não destacar quais seriam seus principais trabalhos. De brincadeira, diz que o seu caso seria semelhante ao do matemático britânico James Joseph Sylvester (1814-1897). “Depois que ele se aposentou, certo dia vieram mostrar a ele uma pesquisa e ele comentou: ‘Puxa, que interessante, de quem é?’. Aí a pessoa respondeu: ‘É do senhor, de 30 anos atrás’. Por isso prefiro não comentar esse tipo de coisa”, ri ele.

Pergunto se sua origem judaica o ajudou, de alguma forma, a se destacar na física — com efeito, mais de 50 ganhadores do Nobel nessa área são judeus. “Tomo como exemplo o meu pai, que era de uma família humilde, mas que estudou trechos da Bíblia em hebraico e aramaico dos três aos dez anos de idade, como manda a tradição judaica”, responde ele. “Essa coisa de mexer intensamente com a cabeça desde cedo acaba tendo um impacto.”

Viúvo duas vezes, Zimerman tem quatro filhos, três enteadas e 11 netos (oito biológicos e três filhos de suas enteadas). 


Abraham Hirsz Zimerman

Nasceu
em 1928 na Polônia e veio para o Brasil nos anos 1930

Graduou-se
em física na USP (1952) e fez doutorado (orientado por si mesmo) na Unesp em 1987

Áreas de atuação
são a física teórica e matemática, trabalhando com áreas como teorias de rede, teorias de campos e supersimetria.

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