Congresso no Rio quer colocar a matemática 'na boca das pessoas'

2.500 matemáticos de todo o planeta se reunirão no Congresso Internacional de Matemáticos

Fernando Tadeu Moraes
São Paulo

O Rio de Janeiro receberá a partir desta quarta-feira (1º) o maior encontro mundial da matemática, que só ocorre de quatro em quatro anos. Realizado desde 1897, o evento tem pela primeira vez como sede uma cidade da América Latina.

Até o dia 9 de agosto, cerca de 2.500 matemáticos de todo o planeta se reunirão no Congresso Internacional de Matemáticos (ICM, na sigla em inglês) para ouvir os pesquisadores mais destacados da área, apresentar seus trabalhos ou simplesmente se inteirar dos avanços mais recentes dos diversos —e muitas vezes incomunicáveis— ramos da matemática.

Também no ICM é anunciado o vencedor da Medalha Fields, prêmio mais importante da matemática, conferido somente a pesquisadores com até 40 anos. Na última vez, o brasileiro Artur Avila conquistou a láurea, tornando-se o primeiro latino-americano a recebê-la.

O congresso, no entanto, não é um evento apenas para a elite da pesquisa matemática. Um de seus objetivos é ajudar a divulgar e popularizar a disciplina, explica Marcelo Viana, presidente do comitê organizador do ICM-Rio e diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada.

“O congresso coloca a matemática na mídia, na boca das pessoas, acaba servindo como um catalisador para a midiatização da disciplina, aspecto no qual somos ainda muito carentes”, diz Viana, que também é  
colunista da Folha.

Alunos de escolas cariocas participarão de atividades, terão a chance de assistir a cinco palestras públicas e poderão visitar uma exposição que apresenta a relação entre arte indígena e geometria.

Na entrevista a seguir, Viana também comenta a ascensão do Brasil no panorama da matemática mundial e explica como foi organizar um evento desse porte em meio a uma das maiores de crises de financiamento já experimentadas pela ciência brasileira.

 

A primeira coisa que chama atenção no Congresso Internacional de Matemáticos é o nome. Por que de matemáticos, e não de matemática? Quando o congresso surgiu, no final do século 19, ele era visto, acima de tudo, como um encontro de pessoas, um momento em que os matemáticos pudessem interagir entre si. Era uma época em que a ideia de cooperação internacional na matemática, mas não só nela, ganhava corpo. 

Tanto que se você olha para a programação dos primeiros congressos, percebe que havia poucas palestras, mas muitos chás, oportunidades para encontros sociais e discussão. Com o tempo, naturalmente, aumentaram os participantes, hoje há muitas mais palestras, mas esse espírito de origem se mantém

Nascido no Rio de Janeiro, Marcelo Viana, 56, mudou-se para Portugal ainda na infância. Formou-se matemático pela Universidade do Porto (1984) e fez doutorado no Impa (1990), instituição que hoje dirige. Fez estágios de pós-doutorado em Princeton e na UCLA. Recebeu em 2016 o Grande Prêmio Científico Louis D., importante láurea francesa
Nascido no Rio de Janeiro, Marcelo Viana, 56, mudou-se para Portugal ainda na infância. Formou-se matemático pela Universidade do Porto (1984) e fez doutorado no Impa (1990), instituição que hoje dirige. Fez estágios de pós-doutorado em Princeton e na UCLA. Recebeu em 2016 o Grande Prêmio Científico Louis D., importante láurea francesa - Mauro Pimentel/Folhapress

Qual a importância de realizar um congresso dessa importância no Brasil? Nas últimas décadas, o congresso tem se tornado também um instrumento de divulgação da matemática nos locais onde foi sendo sediado. Ao realizarmos ele aqui, temos uma oportunidade incrível nesse sentido. 

Vi recentemente que dentre os alunos de 70 países que participam do Pisa [avaliação internacional de estudantes], os brasileiros disseram, em autoavaliação, ser os que menos têm contato com a matemática.
Eu costumo brincar que estou esperando o dia em que galã de novela será um matemático. 

E a importância do evento para a nossa pesquisa? Vivenciamos um processo de ascensão da nossa pesquisa nos últimos tempos. A escolha do Brasil para sediar o congresso não só é uma marca desse avanço como também comprova que estamos com prestígio dentro da comunidade internacional. 

Mas não somos ainda uma França, um Japão. Temos muito a subir ainda, sobretudo na educação matemática da população em geral.

O que você destacaria no congresso deste ano? Estamos realizando o congresso mais diverso da história em termos de participação, com palestrantes de 37 países. Não foi fácil conseguir isso. No congresso de 2006, por exemplo, não houve um único palestrante de um país em desenvolvimento.

É importante salientar que teremos uma delegação recorde, com 13 palestrantes —dentre eles as quatro primeiras brasileiras a participar de uma edição. Até então a nossa maior representação havia sido de quatro pessoas.

Outro aspecto é a ênfase que estamos dando à popularização da matemática. Teremos cinco palestras públicas, e eu pedi aos palestrantes que busquem trazer algo que seja interessante e compreensível não para os matemáticos em geral, ou para estudantes de graduação, mas para as crianças das nossas escolas. O objetivo é deixá-las maravilhadas.

O Rio foi escolhido como sede do ICM em 2014, quando o Brasil e a ciência nacional viviam uma realidade muito melhor que a atual. Como foi organizar esse evento em meio a uma das piores crises de financiamento da ciência brasileira? Dadas as circunstâncias, não posso reclamar, pois o governo nunca deixou de nos apoiar.

Dito isso, tivemos de manter o pé no chão e adequar as nossas expectativas a uma nova realidade. Houve um esforço para economizar. No total, gastamos aproximadamente R$ 15 milhões para preparar o congresso. Nossas principais despesas foram com o aluguel do espaço e dos equipamentos, além do apoio a matemáticos do mundo em desenvolvimento.

Não é o mesmo congresso que há quatro anos imaginamos realizar, talvez tivéssemos sido mais ambiciosos, mas estamos muito satisfeitos com o que conseguimos.

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