Só 14% da Academia Brasileira de Ciências é hoje integrada por mulheres

Estudo analisou a diversidade de gênero e a regional na instituição brasileira

São Paulo

É no topo que a desigualdade de gênero na ciência se apresenta de modo mais flagrante. Estudos realizados nos últimos anos têm evidenciado que, onde quer se olhe no mundo, a proporção de mulheres vai decrescendo ao longo da evolução da carreira científica —e, consequentemente, a de homens vai aumentando. O Brasil não foge à regra.

Um novo artigo de pesquisadoras brasileiras buscou avaliar se esse fenômeno, conhecido como efeito tesoura, também atua na escolha dos membros da ABC (Academia Brasileira de Ciências), a mais seletiva e prestigiosa instituição do tipo no país.

A física Marcia Barbosa durante palestra sobre discussão de gênero na Ciência no 70° Encontro Anual da SBPC, realizado em julho de 2018, em Maceió
A física Marcia Barbosa durante palestra sobre discussão de gênero na Ciência no 70° Encontro Anual da SBPC, realizado em julho de 2018, em Maceió - Jardel Rodrigues/SBPC

“Já se sabia que a proporção de mulheres vai caindo na progressão das bolsas de pesquisa do CNPq, de 38%, no primeiro nível, para 24%, no último. Agora, nós adicionamos um degrau a mais, o ingresso na ABC, e constatamos que o padrão se mantém”, diz Carolina Brito, professora de física da UFRGS e uma das autoras do trabalho.

“É o efeito tesoura do efeito tesoura”, resume a também autora e física Marcia Barbosa, integrante da ABC.
No estudo em questão, elas analisaram inicialmente a composição atual da ABC. A disparidade salta à vista. Dos 518 membros titulares da academia, apenas 14% são mulheres. Ao separarem os membros por área de conhecimento, as pesquisadoras constataram que as mulheres são subrepresentadas em todos eles.

No melhor caso, o das biológicas, elas perfazem apenas 25% do total; no pior, o das engenharias, a participação feminina é de meros 2,5%.

Outro aspecto da composição da ABC analisado no artigo é a sua diversidade regional. As conclusões apontam para a mesma direção: concentração de um grupo específico em detrimento de outros —quase 80% dos membros provêm da região Sudeste. No outro extremo, somente 12 (aproximadamente de 2%) dos acadêmicos são oriundos da região Norte.

Essa é a foto. O filme —isto é, como se chega a esse quadro— não é melhor.

Para dimensionar o efeito tesoura na ABC, as autoras usaram como base de comparação a proporção feminina nos níveis mais altos das bolsas de produtividade do CNPq —destinadas a pesquisadores reconhecidos em seus campos e divididas em cinco categorias, em ordem crescente de prestígio: 2, 1D, 1C, 1B e 1A.

Em geral, as escolhas para a ABC recaem sobre pesquisadores de nível 1A e 1B.

A presença feminina decresce em praticamente todas as áreas do conhecimento, quando se coteja o percentual de bolsistas do CNPq nos níveis mais elevados com o de integrantes da Academia Brasileira de Ciências. 

A única exceção ocorre nas ciências sociais, mas, nesse caso, a comparação é dificultada pela forma diferente com que CNPq e ABC definem a área.

Segundo as autoras do artigo, um dos fatores por trás do efeito tesoura é a maternidade. Pesquisadoras que têm filhos acabam precisando se afastar provisoriamente da pesquisa e se ausentar de congressos durante os primeiros anos da criança. Isso não só prejudica sua produção intelectual como a afasta de colegas, reduzindo as chances de colaborações com outros cientistas.

“No entanto, o nosso estudo revela que o efeito tesoura não é só uma consequência da maternidade, já que a passagem de quem está nos níveis mais altos das bolsas do CNPq para a ABC se dá numa idade mais avançada, quando as mulheres já não engravidam”, diz Marcia Barbosa.

No caso da ABC, segundo as pesquisadoras, a principal razão para a baixa participação feminina é o sistema de escolha dos novos membros, os quais precisam ser indicados por quem já está lá. Isso tende a reforçar o statu quo. “As pessoas adoram um espelho. Para aumentar a diversidade é preciso que os membros atuais se esforcem para procurar quem não se pareça com eles”.

Outro fator por trás do efeito tesoura, aponta Carolina Brito, é o preconceito implícito que impregna o meio. A pesquisadora cita um estudo publicado em 2012 na revista Pnas. Nele, os autores pediram a cientistas que avaliassem 127 currículos idênticos para uma vaga em um laboratório. A única diferença era o gênero dos candidatos.

Ao final do processo, os candidatos homens foram significativamente melhor avaliados do que as mulheres. Curiosamente, o gênero dos avaliadores não influenciou o resultado. A conclusão foi que a probabilidade de uma mulher ser contratada era menor, pois elas foram vistas como menos competentes.
“Não é um comportamento deliberado. E isso torna mais difícil combatê-lo, porque as pessoas não reconhecem o preconceito implícito”, diz Carolina.

As pesquisadores ressaltam que a luta por maior diversidade na ciência não está relacionada somente com uma questão de justiça social.

“Diversidade —de gênero, regional, étnica, etc— é importante para a excelência científica. A ciência é algo que foi concebido para resolver problemas e a presença da diversidade amplia os horizontes, pois permite que se pense, por exemplo, em problemas femininos, em problemas de pessoas negras etc. A diversidade acaba sendo um mecanismo para se pensar fora da caixa”, diz Carolina.

A importância da pluralidade já foi percebida no mundo corporativo. Marcia Barbosa aponta estudos —o mais recente divulgado neste ano pela empresa de consultoria McKinsey— que mostram que empresas que possuem maior diversidade na liderança lucram mais.

Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, concorda que a participação feminina na instituição é baixa, mas salienta que se trata de um problema mundial. “Esse percentual é baixo em diversas academias de ciência. Na francesa, por exemplo, a proporção de mulheres é de 13%; na americana, só um pouco maior do que na nossa”.

Segundo Davidovich, a instituição tem feito esforços para estimular seus membros a indicar mulheres para integrá-la. “Entre os membros afiliados [pesquisadores de até 40 anos que passam cinco anos como membros], o percentual de mulheres é de cerca de 25%. Espero que essa seja uma tendência para o futuro.”

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