Debate sobre drogas é pobre no Brasil, diz criador de curso de ciência psicodélica

Pesquisador afirma que é possível uso seguro, inclusive terapêutico, das substâncias

Fernando Tadeu Moraes
São Paulo

Elevar o nível do debate público sobre as drogas e desfazer mitos e tabus associados a elas. Esse é o objetivo do curso online "Que droga é essa?", que será lançado nesta terça-feira (18).

Composto de 25 videoaulas divididas em cinco módulos, a iniciativa busca oferecer uma abordagem não apologética do assunto, calcada em pesquisas científicas. O idealizador do curso, produzido em parceria com a escola Perestroika, é o pesquisador Eduardo Schenberg.

Mestre em psicofarmacologia pela Unifesp e doutor em neurociências pela USP, ele se especializou no estudo das chamadas substâncias psicodélicas, como a ayahuasca, o MDMA, a mescalina e a psilocibina. Schenberg conduz atualmente pesquisas para testar o efeito do MDMA sobre pessoas que sofrem de estresse pós-traumático.

"A questão das drogas afeta toda a sociedade: jovens, velhos, policiais, médicos, políticos", explica Schenberg. "Apesar disso", prossegue, "o debate público é paupérrimo, dominado pela superficialidade e por preconceitos. Minha intenção foi abordar esse tema de maneira rigorosa e fugir da dicotomia libera tudo ou fica tudo como está."

O próprio pesquisador adota uma posição intermediária no tema. "Sou totalmente a favor da legalização da maconha, mas tenho sérias dúvidas sobre liberar o crack, por exemplo".

Segundo o pesquisador, a proibição internacional que dá suporte a uma guerra planetária às drogas parte do pressuposto de que existem drogas sem nenhum potencial terapêutico, que são altamente viciantes, e drogas do bem, os remédios. "Isso, no entanto, não faz sentido à luz da farmacologia."

Em teoria, ressalta, toda droga pode apresentar algum potencial terapêutico, pois ela, em princípio, é uma substância que afeta alguma função fisiológica do corpo, e as doenças são distúrbios da fisiologia do corpo. "Mas você só vai descobrir se estudá-la, do contrário, você não descobre e acaba demonizando".

O curso começa com um módulo introdutório. "A palavra droga vem de uma expressão holandesa que significa especiarias", diz. Os outros módulos tratam das populações que usam ou usaram drogas e em que lugares do planeta e desde quando, da relação das drogas com o corpo (as diversas maneiras com as quais se pode ingerir drogas e quais os riscos de cada uma delas), dos propósitos por trás do uso de drogas e de como isso influencia os efeitos delas.

"Eu falo da diferença entre uso, abuso e dependência química. Explico a dependência tanto do ponto de vista neurocientífico como do ponto de vista social, psicológico e econômico".

Haverá aulas ministradas também pelo jornalista Denis Burgierman, que falará sobre outras formas de regular o uso de drogas, e pelo professor da USP Henrique Carneiro, que contará a história da utilização dessas substâncias, desde a antiguidade até os tempos modernos.

Segundo Schenberg, ainda predomina a visão de que a droga tem um poder maléfico de sequestrar o cérebro das pessoas e torná-las zumbis. "Para desfazer ideias como essa, eu mostro como esse mito vem sendo recontado de diversas formas desde o século 19."

Atualmente, explica Schenberg, esse mito aparece relacionado a substâncias pouco conhecidas, que ganham notoriedade, causam celeuma e somem. "A última vez, salvo engano, aconteceu com a metilona, anunciada como a droga do canibalismo. Mas isso já ocorreu com a heroína nos EUA, com o crack no Brasil, com a cocaína, já foi feito com a maconha e, lá atrás, com o álcool, durante o período da lei seca americana."

No fim, o pesquisador coloca a pergunta: é possível fazer um uso seguro de drogas?

"Essa questão, só de ser posta, já ofende setores da população, mas se trata de algo fundamental. E a resposta é que sim, é possível. Eu faço então uma comparação entre as drogas ilícitas e as drogas lícitas e explico que, dada a falta de controle das proibidas, é mais difícil existir um uso seguro delas."

Schenberg convida os alunos a refletirem sobre o fato de que a proibição às drogas é, no fundo, uma profecia autorrealizável.

"Proíbem-nas sob o argumento de que elas são perigosas. A proibição piora o mercado, a dose fica sempre desconhecida, os produtos não têm controle de qualidade e tornam-se mais contaminados. A consequência da proibição, assim, é aumentar o perigo dessas substâncias, justamente a justificativa para proibi-las."

O curso, que custa R$ 147, pode ser acessado no endereço.

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