Descrição de chapéu The New York Times

Restaurantes dos EUA querem usar maconha para amenizar morte de lagostas

Dona de restaurante no Maine faz testes com os bichos, mas governo do estado não gosta da ideia

Mihir Zaveri
Nova York | The New York Times

Sua morte é iminente. Será dolorosa. Mas, minutos antes da execução, seu carrasco oferece... um baseado.

"Se alguém me desse a escolha de fumar um baseado antes, minha resposta seria um sonoro sim", diz Charlotte Gill, dona do restaurante Charlotte’s Legendary Lobster Pound, em Southwest Harbor, no estado de Maine, EUA.

Gill quer oferecer essa oportunidade às lagostas que precisam morrer para que o negócio dela prospere, e tenta usar maconha para que elas mergulhem chapadas, e sem dor, na água escaldante em que serão cozidas.

Nos últimos dias, os métodos de Gill atraíram muita publicidade e dose considerável de ceticismo. Será que lagostas reagem de algum modo à maconha? Elas são capazes de sentir dor? E o que ela está propondo é permitido, para começar?

A resposta à última pergunta parece ser não, pelo menos por enquanto, afirma o governo do estado do Maine.

Os inspetores de saúde do estado "tratariam comida servida a consumidores em estabelecimentos licenciados, e afetada por maconha na forma descrita por esse estabelecimento como adulterada, e portanto ilegal", anunciou Emily Spencer, porta-voz do departamento estadual de saúde e serviços humanos, na quinta-feira.

"Até o momento", ela acrescentou, as autoridades regulatórias "não têm informações sobre as implicações de saúde ou efeitos de 'sedar' lagostas usando maconha".

No curso de suas experiências com lagostas, Gill avançou inadvertidamente até o limite da ciência e da regulamentação quanto à maconha.

Ela diz que é inegável que a maconha está causando o efeito pretendido. Em uma série de testes, empregados do restaurante colocaram uma lagosta em um recipiente pequeno e acrescentaram alguns centímetros de água. Eles canalizaram fumaça de maconha para dentro do recipiente por meio de um tubo até enchê-lo de fumaça e mantiveram a lagosta lá por cerca de três minutos.

Antes de a lagosta ser colocada no recipiente, ela movia a cauda e agitava as garras, abrindo-as e fechando-as repetidamente. Depois de exposta à fumaça, a lagosta ficava dócil e serena, disse Gill.

"Continuava muito alerta, mas não havia sinais de agitação, nenhum movimento das presas, nenhuma tentativa de atacar quem a segurava", disse Gill. "O animal ficava tão calmo que era possível tocá-lo em qualquer parte de seu corpo sem que ele reagisse ou mostrasse qualquer agressividade".

O método é preferível ao que coloca o crustáceo vivo em um caldeirão de água fervente sem sedá-lo com maconha, disse Gill.

Ela planta maconha em casa e diz ter licença para isso. Em 2017, os eleitores do Maine aprovaram por pequena maioria uma proposta de legalização do uso recreativo da maconha por adultos de mais de 21 anos.

Mas na noite de quinta-feira, disse Gill, ela recebeu uma notificação de departamento estadual de saúde informando-a de que estava usando a maconha de forma proibida, porque "supostamente só posso usá-la para consumo pessoal, e não para as lagostas".

Gill diz amar os animais e vem enfrentando um dilema desde que começou a servir lagostas, cerca de seis anos atrás. Ela começou a estudar o uso de maconha este ano, com a ajuda do pessoal de seu restaurante, que fica cerca de 80 quilômetros a sudeste da cidade de Bangor. A experiência começou a atrair publicidade e algumas pessoas chegaram a imaginar que fosse um truque para promover o uso e maconha, mas Gill diz que não.

O pessoal do restaurante fez testes de urina depois de comer lagostas tratadas com maconha, ela disse, e os resultados não mostraram traços da droga. Na mais recente experiência, o pai de Gill, que tem 82 anos, vem comendo grande quantidade de lagostas sedadas com maconha, todos os dias. Ele fará um exame de sangue em breve.

Gill disse esperar que os testes provem ao estado que as lagostas não absorvem a maconha. Mas, pelo menos até recentemente, seus planos de oferecer lagostas sedadas com maconha ao público enfrentavam um impasse. As autoridades regulatórias estaduais continuam a estudar a questão, disse Spencer.

A experiência de Gill se relaciona a um debate sobre se crustáceos sentem ou não sentem dor. Neste ano, a Suíça determinou que lagostas e outros crustáceos não sejam colocados vivos em água fervente, afirmando que isso lhes causava dor, e que outros métodos, mais rápidos, deveriam ser usados.

Mas não é claro se lagostas sentem dor ou não, disse Michael Tlusty, professor de sustentabilidade e soluções de alimentação na Universidade de Massachusetts em Boston, e responsável por pesquisas sobre lagostas. Ele disse que esses animais experimentam o mundo de maneira fundamentalmente diferente da humana.

"Já vimos lagostas com ferimentos substanciais recomeçando a comer imediatamente depois da lesão", disse Tlusty. "O que isso significa em termos de percepção de dor?"

Há poucas pesquisas quanto ao efeito da maconha sobre as lagostas. Mas Tlusty disse que um estudo conduzido em 1988 indicou que as lagostas reagiam de alguma maneira a um produto químico presente na maconha.

Joseph Ayers, professor de ciências marinhas e ambientais e de biologia na Universidade Northeastern, pesquisa sobre lagostas há quatro décadas e disse que os crustáceos eram organismos simples demais para sentir dor da maneira que os humanos sentem.

"Elas são muito mais simples que os insetos", disse o pesquisador. "Não têm como reportar. Isso se relaciona com nossa expectativa de verificação por parte dos seres humanos. E é algo que provavelmente nunca teremos de uma lagosta".

Cérebros simples como os delas são influenciáveis pela maconha?

"Não há como saber", disse Ayers.

Kimberly Stuck, fundadora da Allay Cannabis Consulting, que assessora clientes sobre como lidar com as novas leis quanto à maconha, está cética quanto ao que a experiência de Gill seria capaz de produzir.

"Não estou certa de que a maconha tenha qualquer efeito sobre a lagosta", ela disse.

As pessoas estão encontrando usos e aplicações novos para a maconha com muito mais rapidez do que as leis conseguem acompanhar esses avanços, disse Stuck, que trabalhava como especialista em maconha para a prefeitura de Denver. As autoridades regulatórias da cidade tiveram de ordenar que um restaurante suspendesse a venda de peitos de peru defumados com maconha porque isso infundia a carne com THC, o componente ativo da maconha, segundo ela.

"Há muita coisa desconhecida na maconha, a regulamentação ainda é bastante incerta", disse Stuck. "Na maior parte do país, não existe regulamentação efetiva."

E ela disse que, quando as autoridades regulamentam, precisam ser mais reativas que preventivas.

"As pessoas são muito criativas", ela disse. "Têm as ideias mais loucas".

Tradução de Paulo Migliacci

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