Descrição de chapéu The New York Times

Estudo genético mapeia história da migração e da cultura chinesa

Análise foi feita com dados de exames pré-natais de mais de 140 mil participantes

Steph Yin
Nova York | The New York Times

Cozido de carneiro, espesso e cheiroso, cozido até a carne se soltar do osso e servido com macarrão grosso e saboroso —esse é o tipo de comida que vence o frio inverno no norte da China. 

Mais ao sul, climas mais quentes favorecem mais plantações. Legumes frescos fritos podem acompanhar o “dim sum” (estilo culinário chinês com pratos do tamanho de uma mordida) em Guangdong ou ser o destaque de uma refeição picante em Sichuan. Lichia, durião e outras frutas perfumam o ar.

Examinando o DNA da população chinesa, encontra-se um resquício dessa história culinária, segundo o maior estudo genético da já realizado no país, publicado na quinta-feira (4) na revista Cell.

Os autores relataram que uma mutação do gene FADS2, que participa da metabolização de ácidos graxos, é mais comum nas populações chinesas do norte do que do sul, indicando uma dieta mais rica em conteúdo animal. É uma de diversas descobertas que resultaram de ampla análise da informação genética de 141.431 participantes.

A abordagem —uma novidade, que usa dados de exames de sangue pré-natais— tem uma contrapartida. Embora os pesquisadores pudessem sequenciar por baixo custo um grande número de genomas, eles só tiveram acesso a uma fração do genoma de cada pessoa, muito menos do que estudos genômicos geralmente abrangem.

No entanto, o estudo sugere que simples exames clínicos podem ser um recurso eficaz para pesquisar a genética de grandes populações e produzir hipóteses para estudos, disse Ekta Khurana, professora de genômica computacional na Weill Cornell Medicine em Nova York, que não participou da pesquisa. “Isso pode ser expandido para incluir não apenas mães, mas todas as pessoas”, disse ela. 

Os autores usaram dados de exames pré-natais não invasivos para trissomia fetal, condição que pode causar a síndrome de Down. 

Desenvolvido na China, o teste analisa pedaços flutuantes de DNA fetal no sangue da mãe e é administrado por US$ 100 ou menos em todo o país, segundo Xinjiang Jin, pesquisador na BGI, empresa de sequenciamento genético em Shenzhen, e um dos autores do trabalho. O sequenciamento genômico de alta qualidade, em comparação, custa cerca de US$ 1.000 por pessoa. 

O conjunto de dados, que representava quase todas as províncias chinesas e 37 dos 56 grupos étnicos oficialmente reconhecidos, eclipsou outros estudos de genomas, que costumam incluir milhares ou dezenas de milhares de participantes.

Mas a nova análise cobriu apenas 10% ou menos do genoma de cada pessoa, enquanto estudos mais rigorosos cobrem 80% ou mais, disse Anders Albrechtsen, professor da Universidade de Copenhague e um dos autores do estudo.

Para superar isso, os pesquisadores se valaream de uma análise computaciona e estatística bastante intensa, criando um software sob medida capaz de inferir o DNA ausente. Eles divulgaram muitas conclusões preliminares, mas interessantes.

Por exemplo, a etnia han —que forma 92% da população da China— é geneticamente bastante homogênea, diferindo principalmente entre o norte e o sul. 

Isso provavelmente reflete políticas governamentais e oportunidades de emprego desde 1949, que conduziram amplamente a migração para leste ou oeste, segundo Siyang Liu, cientista e pesquisadora sênior da BGI e principal autora do estudo.

Sua equipe identificou algumas variantes de genes que diferem em frequência entre as populações do norte e do sul, relacionadas a reação imune, transtorno bipolar e tipo de cera de ouvido. 

Grupos étnicos minoritários mostraram maior divergência genética que os han, especialmente os uigures e cazaques em Xinjiang e os mongóis na Mongólia Interior. 

Isso é digno de nota porque os estudos de sequenciamento raramente são feitos em minorias étnicas, apesar de as descobertas poderem ter importantes implicações médicas, disse Charleston Chiang, professor na Escola de Medicina Keck da Universidade do Sul da Califórnia, que não participou da pesquisa.

Os pesquisadores também diagnosticaram vírus no sangue da mãe verificando DNA que não se alinhava com o genoma humano contra um banco de dados de sequências virais. Eles encontraram uma prevalência relativamente alta de hepatite B e outros vírus que podem afetar a gravidez, assim como uma variante de gene associada à roséola, que causa febre alta e erupções na pele de bebês.

Finalmente, para mostrar que os dados de testes de gravidez não invasivos podem revelar associações entre genes e características específicas, os cientistas analisaram altura e índice de massa corporal de toda a amostragem, encontrando 48 variantes genéticas associadas à altura e 13 ao índice de massa corporal. Eles também relataram variantes genéticas associadas à idade materna e à probabilidade de ter gêmeos. 

Algumas dessas associações tinham sido relatadas em estudos anteriores feitos com europeus, mas a equipe também descobriu novas ligações, o que salienta a importância de se fazer pesquisa em populações não europeias, disse Xinjiang Jin, da BGI.

O estudo serviu como prova de conceito, disse ele. Sua equipe está prosseguindo na avaliação de dados de exames pré-natais de mais de 3,5 milhões de chineses.

tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves  

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