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Genoma do pirarucu é desvendado e pode ajudar a conter venda ilegal do bicho

Sequenciamento pode levar à criação de 'teste de paternidade' do peixe e mostrar de onde ele vem

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São Paulo

Um grupo de pesquisadores brasileiros concluiu o sequenciamento do genoma do pirarucu. Trata-se de um peixe de alto interesse tanto comercial como científico, e os cientistas acreditam que o estudo de seu DNA pode contribuir para aperfeiçoar criadouros e facilitar o manejo sustentável.

O trabalho tem a liderança de Sidney Santos, da Universidade Federal do Pará (UFPA) em Belém, e foi publicado recentemente no periódico Genome Biology and Evolution.

 
Pesca do pirarucu em Maraã, no Amazonas
Pesca do pirarucu em Maraã, no Amazonas - Ricardo Oliveira/divulgação

O genoma consiste na sequência completa de "letras genéticas" (as bases nitrogenadas que compõem o DNA) que armazena a receita biológica de cada ser vivo. No caso específico do pirarucu, são cerca de 661 milhões de bases, um tamanho relativamente modesto se comparado ao genoma humano (3,2 bilhões).

O pirarucu, por sua vez, é conhecido como o "gigante da Amazônia". É um dos maiores peixes de água doce do mundo e pode chegar a um comprimento de 4,5 metros e massa de até 200 kg.

Originário da bacia amazônica, o peixe tem o nome científico Arapaima gigas e atualmente se distribui por Brasil, Colômbia, Equador e Peru. Além disso, também existe na Tailândia e na Malásia, onde foi introduzido para a pesca comercial.

Ele tem grande valor de mercado por sua carne com baixo teor de gordura e pouco conteúdo ósseo, mas a pesca excessiva na Amazônia começou a ameaçar sua sobrevivência, e o governo restringiu a pesca e comercialização só quando ela é proveniente do manejo participativo ou da criação em viveiros.

Daí uma das motivações para o estudo. "O pirarucu é um peixe emblemático da Amazônia, é o bacalhau da Amazônia", explica Santos. "Nós temos na UFPA um grupo que já estava trabalhando questões sobre a biologia do pirarucu, especialmente sobre marcadores genéticos que permitem a identificação individual e o controle de populações naturais."

Daí nasceu uma parceria entre grupos na UFPA e na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) para usar as ferramentas da bioinformática de forma a montar um genoma completo do peixe do zero, uma vez que não havia espécie similar já sequenciada para servir de base de comparação.

Um dos maiores desafios para os criadouros é justamente a ausência de dimorfismo sexual nessa espécie de peixe. Ou seja, pelo visual, é impossível determinar se trata-se de um macho ou uma fêmea. E aí o sequenciamento genético cai como uma luva.

"A sequência do genoma permite o desenvolvimento de testes genéticos para a identificação de machos e fêmeas", explica Sandro José de Souza, da UFRN, um dos coautores do estudo.

E o trabalho já está em andamento. "Nós já identificamos o cariótipo, o conjunto de cromossomos, do piraruc e confirmarmos que macho e fêmea não têm diferenças estruturais", explica Santos.

"Estamos agora aplicando uma nova tecnologia chamada de CGH-Array, que permite empregar o DNA de macho como sonda para o cariótipo da fêmea, e vice-versa. Essa tecnologia é mais apurada para identificar possíveis diferenças não identificadas do ponto de vista estrutural."

Por fim, os pesquisadores identificaram sequências de DNA presentes só nos machos e só nas fêmeas. "Se confirmadas, essas diferenças servirão de base para um teste genético de identificação", diz o pesquisador da UFPA.

Outro recurso importante ofertado pelo sequenciamento é a possibilidade de desenvolver um teste capaz de fazer a identificação genética do indivíduo. "Seria algo similar a um teste de paternidade", explica Souza.

"Isso permite avaliar a saúde genética de uma população —se há uma boa diversidade genética— e também serve para monitorar a carne exportada e verificar se está mesmo vindo de criadouros e não do ambiente."

Santos prossegue: "Nós já estamos trabalhando com 20 marcadores identificados após o sequenciamento. Semelhantes aos testes de identificação de humanos, eles são capazes de identificar 10 bilhões de bilhões de indivíduos".

E, segundo os pesquisadores, esse recurso permitirá identificar redução de variabilidade numa população, um sintoma de sobrepesca.

"Outra aplicação desse conjunto é a identificação de animais, o que já é visto em outras espécies", explica Santos. "A ideia é que cada produtor possa ter identificadas sua matrizes. Com essa identificação, é possível demonstrar que o produto vendido é derivado das matrizes e não foi retirado da natureza."

O pirarucu também desperta curiosidade sobre processos evolutivos, uma vez que se trata de um peixe pulmonado —além das guelras para respirar sob a água, ele pode respirar o ar.

"Estamos explorando isso", diz Souza. "Temos agora já dados de transcriptomas do pirarucu, ou seja, quais genes são expressos [estão ativados] em cada célula ou tecido, e pretendemos também sequenciar outros peixes pulmonados."

O projeto de sequenciamento usou quatro indivíduos, dois pirarucus machos e dois fêmeas, e foi financiado com verbas do CNPq e da CAPES. Os laboratórios já estavam previamente equipados para o trabalho, e o custo envolveu apenas insumos, da ordem de R$ 60 mil.

Erramos: o texto foi alterado

Uma versão anterior deste texto exibia a imagem incorreta do pirarucu.

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