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Ratos urbanos comem carne, ratos rurais comem qualquer coisa, mostra estudo

Nova York | The New York Times

Já faz quase 30 séculos que Esopo escreveu a fábula "O Rato da Cidade e o Rato do Campo", na qual o animal urbano mostra ao seu primo rural a superioridade das opções gastronômicas da cidade. Um novo estudo sugere que Esopo estava certo quanto às diferenças geográficas na dieta dos roedores.

Ao analisar restos mortais de ratos que viveram na cidade canadense de Toronto e na região vizinha, entre 1780 e 1890, pesquisadores determinaram que os ratos urbanos desfrutavam de uma dieta de qualidade superior e mais estável que a dieta dos ratos rurais. Da mesma forma que na fábula de Esopo, os ratos da cidade se beneficiavam da generosidade dos detritos humanos, enquanto os ratos rurais tinham de batalhar muito mais.

Rato da espécie Rattus norvegicus
Rato da espécie Rattus norvegicus - Jean-Jacques Boujot/Flickr

"Os ratos que viviam na cidade tinham muito mais carne em sua dieta", disse Eric Guiry, arqueólogo da Universidade Trent, na província canadense de Ontário, e diretor do estudo, publicado nesta quarta-feira (17) pela revista acadêmica Proceedings of the Royal Society B. "A diferença era visível em seus ossos".

Guiry e seu coautor, Michael Buckley, da Universidade de Manchester, no Reino Unido, são especialistas em paleoproteomia, um campo emergente que emprega as proteínas de ossos antigos para extrair informações sobre o comportamento de um animal. Guiry queria experimentar essa técnica em ratos, para determinar o que ela poderia revelar quanto às populações humanas no século 19 —uma proposta menos onerosa do que exumar e analisar restos humanos. O conhecimento desenvolvido pela pesquisa também poderia ajudar governos municipais a controlar melhor as populações de ratos.

"Os ratos são realmente interessantes, porque suas dietas refletem a comida que as pessoas deixam ao seu redor", disse Guiry.

Para o atual estudo, os pesquisadores recolheram ossos de ratos detidos por museus, universidades e arqueólogos na região de Toronto. Primeiro, analisaram a estrutura molecular dos ossos a fim de garantir que todos pertenciam à mesma espécie, Rattus norvegicus. Em seguida, usando um espectrômetro de alta potência, a equipe estudou as proporções de diferentes proteínas em busca de sinais reveladores sobre os alimentos consumidos.

"Com base na premissa de que você é o que você come, podemos usar diferenças nas assinaturas químicas ósseas —que definimos como valores isotópicos estáveis— a fim de determinar as diferenças de dieta entre espécimes individuais no passado", disse Guiry. "Era possível perceber uma grande diferença entre os ratos que viveram em cidades e os ratos que viviam em fazendas e áreas rurais".

Essas diferenças não se limitavam aos tipos de alimento que os ratos comiam. Porque os ossos vieram de múltiplos sítios, os pesquisadores puderam discernir consistência dietética muito maior entre os ratos urbanos do que entre os ratos rurais.

"Em todos os diferentes sítios localizados em áreas urbanas, as dietas dos ratos não variam muito", disse Guiry. "Mas ao contemplar sítios em áreas rurais, as dietas dos ratos eram muito distintas".

Para compreender melhor as dietas rurais, os pesquisadores analisaram também restos de outros animais que viviam nessas áreas na mesma época, entre os quais texugos e marmotas. Descobriram considerável sobreposição, sugerindo que os ratos marrons, que podem ter chegado ao Canadá em navios vindos da Europa no século 19, foram uma espécie introduzida cedo, e que concorria com animais nativos da América do Norte pela comida.

Ainda que não seja necessariamente surpreendente que os ratos urbanos comessem melhor que os rurais —​Esopo já desconfiava disso no ano 600 a.C—, Guiry espera que seu método possa ser usado para revelar detalhes das dietas humanas e de densidades populacionais em outras eras, menos documentadas.

O verdadeiro desafio, disse ele, era encontrar restos usáveis. "Até recentemente, os arqueólogos encontravam ossos de ratos e imediatamente pensavam neles como lixo".

O resultado mais importante, disse Guiry, é que o método pode ser promissor para o estudo do comportamento dos ratos em cidades e para o controle de infestações por ratos, uma tarefa que custa bilhões de dólares ao ano.

"Isso nos deu um panorama geral sobre como os ratos comem e se comportam por um período longo de tempo em uma área urbana", disse Guiry. "E a comida é realmente importante para seu modo de reprodução".
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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