Ajustes no DNA parecidos com os do homem explicam fala dos papagaios

Contra tendência biológica, papagaio-verdadeiro vive muito para seu tamanho e chega aos 90 anos

Reinaldo José Lopes
São Carlos

A inusitada capacidade que os papagaios têm de imitar a fala humana é só a ponta do iceberg das semelhanças entre essas aves e o Homo sapiens. A análise do genoma dos bichos revela que a evolução de sua inteligência seguiu caminhos paralelos à dos seres humanos.

Os dados, publicados na revista Current Biology, referem-se ao material genético do papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva), espécie emblemática da fauna brasileira que tem ampla distribuição na natureza, além de ser criada como bicho de estimação.

 

Curioso, esperto, com vida social e vocalizações complexas —o que explica sua facilidade para copiar a fala humana—, o papagaio-verdadeiro é uma das aves mais longevas, em especial quando se leva em conta seu tamanho modesto (em geral, animais maiores tendem a viver mais). 

Há relatos de que alguns teriam passado dos 90 anos. Isso faz com que o animal seja importante para o estudo comparativo do desenvolvimento cerebral, do aprendizado vocal e da longevidade.

No estudo, a equipe coordenada pelos cientistas brasileiros Francisco Prosdocimi, da UFRJ, e Claudio Mello, da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon (EUA), obtiveram dados de alta qualidade do genoma de um macho adulto da espécie chamado Moisés, que vive em Minas Gerais. Além disso, compararam as informações com as do genoma de outras aves e outros vertebrados. 

O primeiro paralelo entre papagaios e humanos vem das regiões do DNA cruciais para o desenvolvimento do cérebro. Tal como o homem, tais aves possuem estruturas cerebrais grandes em relação ao tamanho do corpo —inclusive as que são consideradas mais recentes e complexas em termos evolutivos, sendo equivalentes ao córtex cerebral da nossa espécie.

Acontece que, assim como no Homo sapiens, algumas diferenças cruciais do genoma do papagaio aparecem não em genes propriamente ditos, mas em regiões que regulam a ativação de certos genes. 

Em geral, um gene é um trecho de “letras” químicas de DNA que contém a receita para a produção de uma proteína no organismo. Tudo indica que, para desenvolver um cérebro mais avantajado e complicado, o que muda, muitas vezes, não é o aparecimento de um novo gene (e, portanto, de uma nova proteína); na verdade, surgem formas inovadoras de usar um gene “antigo”

“Esse controle permite determinar por quanto tempo as células que dão origem aos neurônios se proliferam, possibilitando o surgimento de um cérebro com maior tamanho e maior capacidade cognitiva”, explicou Claudio Mello à Folha. “Isso tem de ocorrer no momento e local precisos, para permitir o crescimento do cérebro de forma controlada.” 

E, em diversos casos, regiões regulatórias equivalentes —ou seja, associadas aos mesmos tipos de genes— sofreram alterações tanto em humanos quanto em papagaios durante a evolução.

A origem da “fala” da ave também começa a ficar menos misteriosa. O estudo mostra que o DNA do papagaio-verdadeiro contém uma duplicação parcial (ou seja, o aparecimento de uma nova cópia, ainda que incompleta) do gene PLXNC1.

Esse gene é importante para a formação de projeções —grosso modo, “fios” ou “cabos”— de neurônios em áreas do cérebro que controlam o canto (nas aves) ou a fala (em humanos). “É importante ressaltar que esse gene está mais associado à imitação do canto da própria espécie, e não a da voz humana”, diz Mello.

Quanto à surpreendente longevidade das aves tagarelas, o grupo de cientistas conseguiu identificar cerca de 300 genes que sofreram modificações específicas na linhagem dos papagaios e na de outras aves de vida longa.

Um pequeno grupo deles já tinha sido identificado como relevante em outros animais de vida longa, como o gene TERT, que ajuda a controlar o encurtamento progressivo das “pontas” do DNA, o qual costuma acontecer conforme as células envelhecem.

A maioria, porém, nunca tinha sido ligada à longevidade, o que deve trazer ideias novas sobre como esse processo se desenvolve em animais como papagaios e humanos.

Os interessados no comportamento e na conservação da espécie, em especial no Pantanal, podem saber mais sobre o A. aestiva no site do Projeto Papagaio-Verdadeiro.

Também participaram do trabalho pesquisadores da UFPA (Universidade Federal do Pará), liderados por Maria Paula Schneider, e do LNCC (Laboratório Nacional de Computação Científica), sob coordenação de Ana Tereza Vasconcelos, entre outros especialistas. O financiamento para o estudo veio do projeto Sisbio-Aves, com verbas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). 

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