Em livro final, Hawking cria guia para o século 21 e além

Obra de físico morto neste ano vai da existência de Deus à sobrevivência da humanidade

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São Paulo

Sabe todas aquelas frases de efeito que o Stephen Hawking soltava em suas palestras e viravam manchetes no mundo inteiro? Em um último livro, póstumo, ele explica aquilo tudo. “Breves Respostas para Grandes Questões” é quase como um “guia rápido para o século 21 e além”.

Trata-se de uma coletânea de ensaios em que o físico popstar britânico estava trabalhando antes de morrer, em março deste ano. E não foge de temas mais esotéricos e distantes da especialidade dele.

O físico Stephen Hawking, em um fundo escurecido
O físico Stephen Hawking - Mike Hutchings/Reuters

São ao todo dez questões, e a ordem em que estão dispostas é peculiar. Para uns, talvez “Deus existe?” seja a última e definitiva questão a ser respondida. Para Hawking, é a primeira.

O cientista se dá ao trabalho de explicar a frase final de seu best-seller “Uma Breve História do Tempo”, em que ele fala em conhecer “a mente de Deus”.

“Uso a palavra ‘deus’ em sentido impessoal, como Einstein fez para as leis da natureza; assim, conhecer a mente de deus é conhecer as leis da natureza. Minha previsão é que conheceremos a mente de deus até o fim deste século.”

Mas e aí, ele acredita ou não em um Deus pessoal? A resposta é não. Hawking trata a noção de que o Universo precisou de um criador como uma hipótese supérflua, desnecessária.

Afinal, ele lembra, é perfeitamente possível que o próprio tempo (como o espaço) tenha nascido junto com o Universo, de forma que a pergunta “o que havia antes do Big Bang?” pode não fazer sentido.

Além disso, Hawking nos lembra de que, no início, o Universo foi extremamente pequeno e dominado por processos quânticos. E, como se sabe, a física quântica não é ditada por causas e efeitos determinados, e, sim, por probabilidades. Isso sugere a possibilidade de que o Universo tenha nascido espontaneamente, meramente por ter uma probabilidade de existir.

A atitude de abrir com essa pergunta é meio a de “tirar o elefante da sala”, por assim dizer, e dali por diante poder passar a questões com crescente relevância para o destino imediato da humanidade.

Stephen Hawking fala do que sabemos sobre o nascimento do Universo, aborda as possibilidades de existência de vida inteligente em outra parte do cosmos, aponta os problemas que existem para prever o futuro (que ele exemplifica citando as dificuldades da meteorologia), fala do que deve haver dentro de um buraco negro e sobre se é possível ou não viajar no tempo.

No fundo, essas escolhas em particular são pretextos para discorrer sobre temas de física básica, o que remete ao estilo de Hawking em seus livros anteriores de divulgação científica. 

Como sempre, estão presentes o bom humor, o texto conciso e a capacidade de dialogar com o leitor, se bem que às vezes um ou dois degraus além do entendimento imediato (não seria Hawking sem isso!).

As quatro questões finais do livro parecem estar na ordem do dia: “Sobreviveremos na Terra?”; “Deveríamos colonizar o espaço?”; “A inteligência artificial vai nos superar?” e “Como moldaremos o futuro?”

No que diz respeito às possibilidades de sobrevivência na Terra, Hawking nos lembra de que, para além da possibilidade de grandes desastres naturais, como o impacto de asteroides, estamos fazendo um péssimo serviço em manter a habitabilidade em nosso planeta.

O cientista lista a ameaça perene de uma guerra nuclear, a indiferença com relação às mudanças climáticas e até mesmo os riscos sociais da criação de humanos geneticamente melhorados (assunto que entrou na ordem do dia na semana que passou, com o anúncio de um pesquisador chinês que teria alterado geneticamente bebês para serem imunes ao HIV) como potenciais desafios à nossa sobrevivência.

“Vejo como quase inevitável que um confronto nuclear ou uma catástrofe ambiental dilacere a Terra em algum momento nos próximos mil anos, o que em termos de tempo geológico é um piscar de olhos”, profetiza Hawking.

Isso, segundo ele, é um ótimo motivo para estabelecermos a humanidade em outros corpos celestes, primeiro em nosso Sistema Solar, depois quem sabe até ao redor de outras estrelas. “A mesma providência talvez não seja possível para os milhões de outras espécies que vivem na Terra, e isso pesará em nossa consciência.”

No capítulo sobre inteligência artificial, Hawking dá como certo o surgimento de computadores pelo menos tão inteligentes quanto os humanos e menciona a importância de que essa tecnologia seja desenvolvida com balizas que permitam guiá-la em favor da humanidade —algo que não seria automático.

Apesar disso, ele vê com otimismo os avanços. Ao citar seu envolvimento com a abertura de um centro de pesquisa do futuro da inteligência, Hawking diz:

“Passamos boa parte do tempo estudando história, o que, vamos ser francos, é em grande parte a história da estupidez humana. Assim, é uma mudança bem-vinda que as pessoas estudem em vez disso o futuro da inteligência. Temos consciência dos perigos, mas talvez com as ferramentas dessa nova revolução tecnológica seremos capazes de desfazer parte dos danos causados ao mundo natural pela industrialização.”

Ao fim das contas, Hawking se revela um otimista quanto ao futuro humano: ele aposta que, a despeito de nossa inerente verve destrutiva, podemos nos sobressair graças à engenhosidade que permite a construção de um futuro melhor. 

Ele nos convida a fazer parte disso: “Lembre-se de olhar para as estrelas, não para os próprios pés. Tente compreender o que vê e questione o que faz o Universo existir. Seja curioso. E, por mais que a vida pareça difícil, sempre há algo que você pode e consegue fazer. Nunca desista. Deixe sua imaginação correr solta. Molde o futuro.”

É exatamente o que Stephen Hawking procura fazer ao nos legar agora suas últimas palavras.

 

Breves Respostas Para Grandes Questões
Autor
: Stephen Hawking
Editora: Intrínseca, 256 páginas
Preço: R$ 39,90

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