Descrição de chapéu Obituário Vicente Amato Neto (1927 - 2018)

Morre o médico Vicente Amato Neto, 91, apaixonado por doenças tropicais

Infectologista da USP liderou pesquisas sobre mal de Chagas, leishmaniose e esquistossomose

São Carlos

Morreu nesta terça-feira (11), aos 91 anos, o infectologista especialista em doenças tropicais e professor emérito da USP Vicente Amato Neto. 

Em sua sala no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, ligado à USP,  Amato Neto costumava abrigar um batalhão dos que apelidava jocosamente de seus “amigos” — centenas de bichos-barbeiros, os insetos que são os vetores do micro-organismo Trypanosoma cruzi, causador do mal de Chagas.

A colônia de insetos é um dos exemplos da paixão do médico pela pesquisa sobre doenças tropicais —de fato, seu trabalho de livre-docência, concluído em 1958, já versava sobre a forma aguda da doença de Chagas. 

Ao longo de décadas de carreira, ele investigou outros parasitas que ainda afligem a população pobre do interior do Brasil, como os causadores da leishmaniose e da esquistossomose, bem como doenças infecciosas com perfil mais urbano, como a Aids

Amato Neto nasceu na capital paulista em 24 de julho de 1927, numa família de imigrantes italianos que morava no centro da cidade. Curiosamente, no entanto, a principal presença de imigrantes nas vizinhanças da casa de seus pais, o alfaiate Arturo e a dona de casa Aída, era a de famílias de japoneses, que então estavam chegando a São Paulo em grande número.

Por conta dos imigrantes do Japão, Amato Neto e outros garotos da região jogavam bola no time de várzea Mikado Futebol Club. A equipe teve de mudar de nome para Sarzedas FC durante a Segunda Guerra Mundial, quando Brasil e Japão ficaram em lados opostos do conflito e a colônia nipônica passou a ser vista com desconfiança.

Essa paixão pelo futebol, e em especial pelo Palmeiras, foi herdada do pai, o qual, segundo o infectologista declarou à Folha em entrevista de 2003, “só pensava no seu Palestra Itália”. Amato Neto capitaneou, por exemplo, a Confraria Alviverde, grupo de médicos palmeirenses. Quando estava na faculdade, logo entrou no “Peito Nu”, time de universitários que, como o nome deixa claro, jogavam sem camisa. E, mesmo quando já era professor emérito da USP, fazia questão de visitar a Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, órgão esportivo da faculdade, e ajudava a organizar partidas.

Ao ingressar na Faculdade de Medicina da USP, em 1946, tornou-se o primeiro membro da família a cursar uma universidade. Depois de se formar, em 1951, participou da primeira turma de residência médica do país, junto com 28 outros formandos.

Prevenção

A experiência no Hospital das Clínicas de São Paulo logo fez com que Amato Neto se interessasse pela área de doenças infecciosas e parasitárias. 

No trabalho como médico e pesquisador, o infectologista centrou seus esforços em técnicas para investigar os mecanismos básicos dessas doenças e usar tal conhecimento para a prevenção. 

No caso do mal de Chagas, por exemplo, Amato Neto desenvolveu técnicas para flagrar a presença do Trypanosoma cruzi em sangue destinado a transfusões e evitar a transmissão da doença por essa via. Também se dedicou a entender o processo de infecção pelo parasita da toxoplasmose, o micróbio Toxoplasma gondii

Durante sua gestão como superintendente no Hospital das Clínicas, de 1987 a 1992, chegou a ser sondado para assumir o Ministério da Saúde e recusou. 

No entanto acabaria aceitando chefiar a Secretaria da Saúde de São Paulo, ficando menos de um ano no cargo. Mais tarde, afirmou que deixou a secretaria por protestar contra irregularidades no órgão. Também dirigiu o Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (de 1985 a 1988) e ajudou a fundar a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 

Foi colaborador frequente desta Folha, em geral por meio de artigos escritos em parceria com Jacyr Pasternak, abordando questões de saúde pública e, principalmente, os avanços no tratamento e na prevenção da Aids

Além de mais de dez livros voltados para o público acadêmico, publicou dois volumes autobiográficos, com o título de “Memórias Seletivas”.

O velório será nesta quinta (13), das 10h às 14h, no Teatro da Faculdade de Medicina da USP, na av. Dr. Arnaldo, 455. O sepultamento será no Cemitério do Araçá, na av. Dr. Arnaldo, 666.  ​

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.