Descrição de chapéu The New York Times

James Watson atrai críticas mundiais com falas sobre genética, raça e inteligência

Fundador da genética moderna e ganhador do Nobel, biólogo faz afirmações infundadas sobre questões raciais

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Amy Harmon
Nova York | The New York Times

Faz mais de uma década que James Watson, o fundador da genética moderna, terminou relegado a uma espécie de exílio profissional, ao dar a entender que as pessoas negras são intrinsecamente menos inteligentes que as brancas.

Em 2007, Watson, que foi um dos ganhadores do Prêmio Nobel em 1962 pela descrição da estrutura helicoidal dupla do DNA, disse a um jornalista britânico que se sentia "inerentemente pessimista sobre as perspectivas da África", porque "todas as nossas políticas sociais se baseiam no fato de que a inteligência deles é igual a nossa, mas todos os testes apontam que na verdade não".

James Watson, um dos fundadores da genética moderna, em frente a um modelo de DNA
James Watson, um dos fundadores da genética moderna - Odd Andersen/AFP

Além disso, ele acrescentou que, embora desejasse que todos fossem iguais, "as pessoas que precisam lidar com empregados negros sabem que isso não é verdade".

Os comentários de Watson reverberaram no mundo todo, e ele foi forçado a deixar seu posto como diretor do Cold Spring Harbor Laboratory, em Long Island, embora ainda mantenha um escritório no laboratório. O laboratório, contudo, revogou os títulos honorários do cientista.

Ele se desculpou pública e "irrestritamente", e, em entrevistas posteriores, insinuou algumas vezes que estava desempenhando o papel de provocador —que ele sempre assumiu— ou que não havia compreendido que seus comentários seriam reproduzidos publicamente.

Desde então, Watson, 90, está em geral distante dos olhos do público. Ele deixou de receber convites para fazer palestras. Em 2014, se tornou o único ganhador vivo do Nobel a vender sua medalha, mencionando a queda de renda que sofreu depois de ser declarado uma "não pessoa".

Mas as declarações dele continuam a ser lembradas. Foram invocadas para apoiar as visões dos defensores da supremacia branca, e cientistas costumam criticá-lo quando o nome de Watson surge na mídia social.

Eric Lander, diretor do Instituto Broad, uma parceria entre o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade Harvard, atraiu muitas críticas no segundo trimestre do ano passado ao propor um brinde ao envolvimento de Watson nos dias iniciais do Projeto do Genoma Humano. Lander não demorou a se desculpar.

"Rejeito as visões dele como deploráveis", escreveu Lander aos cientistas do Broad. "Elas não têm lugar na ciência, que deve receber bem a todos. Errei ao propor o brinde e lamento."

E, no entanto, quando teve a chance de tentar reparar seu legado maculado, Watson optou por reafirmá-lo, dessa vez diante das câmeras. Em um novo documentário, "American Masters: Decoding Watson" (em tradução livre, mestres americanos: decodificando Watson), exibido pela rede de TV pública americana PBS, lhe foi perguntado se suas opiniões sobre a relação entre raça e inteligência mudaram.

"Não", disse Watson. "De forma alguma. Gostaria que elas tivessem mudado, que houvesse novo conhecimento que diga que a criação ["nurture"] é muito mais importante que a natureza. Mas não vi qualquer conhecimento nesse sentido. E existe uma diferença na média dos testes de QI dos brancos e dos negros. Eu diria que se trata de uma diferença genética."

Watson acrescenta que não sente prazer com "a diferença entre brancos e negros", e que preferiria que não existisse. "É horrível, como é horrível a situação dos esquizofrênicos", ele diz. (O filho dele, Rufus, foi diagnosticado com o esquizofrênico ainda na adolescência.) Watson acrescenta: "Se a diferença existe, temos de perguntar o que podemos fazer para melhorar as coisas".

As declarações de Watson bem podem causar uma nova tempestade de críticas. No mínimo, criarão um desafio para os historiadores, quando chegar a hora de avaliar a importância do homem: como equiparar posições científicas tão desprovidas de fundamento e a contribuição científica extraordinária de seu trabalho?

Em resposta a perguntas do The New York Times, Francis Collins, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, disse que a maioria dos especialistas em inteligência "considera quaisquer diferenças entre os resultados de testes de QI envolvendo brancos e negros como de origem ambiental e não genética".

Collins disse que desconhecia qualquer pesquisa confiável em que a declaração "profundamente infeliz" de Watson possa se basear.

"É decepcionante que alguém que fez contribuições tão revolucionárias para a ciência", acrescentou Collins, "perpetue crenças tão desprovidas de base científica e tão nocivas".

Watson não é capaz de responder, de acordo com membros de sua família. Ele fez suas últimas declarações em junho do ano passado, na última de suas seis entrevistas com Mark Mannucci, produtor e diretor do filme.

Mas em outubro, Watson foi hospitalizado por conta de um acidente de automóvel e necessita de cuidados médicos constantes.

Alguns cientistas dizem que as declarações recentes de Watson são notáveis menos por serem suas do que por representarem erros de interpretação que podem estar ganhando terreno, mesmo entre cientistas, como resultado da colisão entre vieses raciais enraizados e poderosos avanços na genética que permitem que os pesquisadores explorem melhor os fundamentos genéticos do comportamento e da cognição.

"Não é uma velha história sobre um cara velho com visões velhas", disse Andrea Morris, diretora de desenvolvimento de carreiras na Universidade Rockefeller e consultora científica do documentário. Morris disse que, como cientista negra, "eu gostaria de pensar que ele representa uma visão minoritária sobre quem pode fazer ciência e que aparência um cientista deveria ter. Mas para mim, o que ele diz parece muito atual".

David Reich, geneticista de Harvard, argumentou que as novas técnicas de estudo do DNA demonstram que algumas populações humanas ficaram geograficamente separadas das demais por tempo suficiente para que pudessem plausivelmente evoluir diferenças genéticas médias em termos de cognição e comportamento.

Mas em seu recente livro "Who We Are and How We Got Here" (quem somos e como chegamos aqui), ele repudia explicitamente a suposição de Watson de que essas diferenças "corresponderiam a estereótipos duradouros", e descreve a posição dele como "garantidamente errada".

Mesmo Robert Plomin, um renomado geneticista comportamental que argumenta que a natureza tem papel mais importante que a criação, no que tange aos indivíduos, rejeita especulações sobre diferenças raciais médias.

"Existem métodos poderosos para estudar as origens genéticas e ambientais das diferenças individuais, mas não para estudar as causas das diferenças médias entre grupos", escreveu Plomin no posfácio de uma nova edição de seu "Blueprint: How DNA Makes Us Who We Are" (plano básico: como o DNA nos torna quem somos).

Não está claro se Watson estava ou não informado sobre esses avanços científicos. A impressão que o filme causa é a de que ele está cada vez mais isolado. O cientista menciona sentir falta de Francis Crick, seu colaborador na corrida para decifrar a estrutura do DNA.

"Gostávamos um do outro", ele diz sobre Crick. "Quanto mais ele estivesse presente, melhor para mim."

Como a história hoje sabe, a dupla conseguiu resolver o enigma em 1953, usando modelos de metal e cartolina desenvolvidos com a ajuda de outra cientista, Rosalind Franklin, cujas fotos em raio-X sobre a molécula do DNA foram mostradas a Watson sem a autorização dela.

As ferramentas de biologia molecular possibilitadas por sua descoberta vêm sendo usadas, desde então, para traçar a pré-história da humanidade, criar terapias que salvam vidas e desenvolver a tecnologia Crispr de edição de genes, usada recentemente, e de maneira antiética, para alterar o DNA de embriões humanos gêmeos.

Assim, Watson se tornou talvez o mais influente biólogo da segunda metade do século 20. Seu manual, "Molecular Biology on the Gene" (biologia molecular no gene), ajudou a definir o novo campo. Primeiro em um laboratório de Harvard e depois em um do Cold Spring Harbor, ele treinou uma nova geração de biólogos moleculares e usou seu prestígio para defender projetos como o primeiro sequenciamento do genoma humano.

"Você sabia ao ouvi-lo que uma revolução na compreensão estava começando", disse Nancy Hopkins, bióloga do MIT que estudou com Watson na década de 1960, em "Decoding Watson". "Você sentia ser parte daquele minúsculo grupo de pessoas que haviam visto a luz."

Mannucci, o diretor e produtor do documentário, se deixou atrair pela semelhança entre seu tema e a "história do rei Lear". Ele disse "que um homem no auge de seus poderes tenha sido derrubado por seus defeitos de caráter". O filme destaca o pendor de Watson pela provocação, exemplificado por seu livro de memórias "The Double Helix", publicado em 1968 como relato da corrida para decifrar a estrutura do DNA.

Em anos posteriores, mesmo antes das declarações de 2007, Watson começou a fazer comentários ofensivos sobre determinados grupos de pessoas, dando a entender, entre outras coisas, que a exposição ao sol aumenta o desejo sexual, nas regiões tropicais, e que as pessoas gordas são menos ambiciosas que as demais.

"Ele estava sempre disposto a disparar sem pensar duas vezes", disse Nathaniel Comfort, historiador da ciência na Universidade Johns Hopkins. "Tornamo-nos prisioneiros das personas que criamos". No filme, Comfort também indica que as visões de Watson sobre questões raciais resultam do filtro genético que ele aplica ao mundo. "Pensar em termos genéticos o tempo todo acarreta um risco."

Mas Mary Claire King, importante geneticista da Universidade de Washington que conhece Watson muito bem e não participou do filme, afirmou que a cultura racialmente homogênea da ciência pode ter influenciado no desenvolvimento das ideias errôneas de Watson.

"Se ele tivesse colegas cientistas negros, em todos os níveis, sua posição atual teria sido impossível de sustentar", disse King.

Se esse é o caso, talvez não estejamos bem preparados para combater o preconceito na pesquisa biomédica, um ramo em que os pesquisadores negros representam apenas 1,5% dos pedidos de verba de pesquisa aos Institutos Nacionais de Saúde. Os vieses nas contratações dos departamentos científicos das escolas de medicina são bem documentados.

"É fácil dizer que você não é Watson", disse Kenneth Gibbs, pesquisador dos Institutos Nacionais de Saúde que estuda as disparidades raciais na ciência. "Mas o que a pessoa deveria realmente se perguntar é o que ela está fazendo para garantir que o ambiente de nossos campi apoie cientistas com antecedentes diferentes daqueles que encontramos por lá."

"Decoding Watson" é a primeira vez que Watson e sua mulher, Liz, falaram publicamente, e em detalhes, sobre a situação de seu filho mais velho, Rufus, que é esquizofrênico. Rufus e seu irmão, Duncan, aparecem no filme, mas Mannucci disse que outras pessoas próximas a Watson não quiseram participar.

Em entrevistas ao The New York Times, algumas delas disseram acreditar que Watson não tinha tomado uma boa decisão ao falar publicamente, a esta altura de sua vida.

Ainda assim, Mannucci disse que fez perguntas sobre raça e inteligência a Watson diversas vezes, durante as gravações, para determinar suas opiniões reais. "Eu não queria sentir que as declarações dele fossem produto da idade, ou de que eu o tivesse apanhado em um momento no qual ele estivesse tentando irritar alguém", disse o documentarista.

Ao longo do filme, há momentos em que Watson parece estar enfrentando dificuldades para encontrar explicações sobre suas opiniões quanto a raça e inteligência. Ele diz ser produto da "era Roosevelt", e que sempre acreditou na importância dos genes.

"Se eu magoei pessoas", ele disse, "certamente me arrependo".

Tradução de Paulo Migliacci

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