Privação de sono e bactéria na gengiva têm relação com surgimento de alzheimer

Dois novos estudos apontam caminhos inesperados para compreender e tratar a doença

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São Carlos

Dois novos estudos apontam caminhos inesperados para compreender e tratar o mal de Alzheimer, doença degenerativa do cérebro que afeta mais de 30 milhões de pessoas no mundo, principalmente idosos. A privação de sono e a presença de uma bactéria que causa infecções na gengiva, segundo as pesquisas publicadas nesta semana, têm correlação estreita com o surgimento da doença e, se controladas, poderiam minimizar seu avanço.

Ambas as análises foram coordenadas por pesquisadores de instituições americanas. David Holtzman, da Universidade Washington em Saint Louis, comandou o estudo sobre os efeitos da falta de sono sobre as origens do mal de Alzheimer, que acaba de sair na revista Science.

Idosa com alzheimer anda por corredor escuro
Estudos relacionam alzheimer com privação de sono e bactéria presente em problemas na gengiva - Sebastien Bozon/AFP

A pesquisa sobre o elo entre a bactéria Porphyromonas gingivalis e a doença, por sua vez, foi liderada por Stephen Dominy, da empresa de biotecnologia Cortexyme, em San Francisco, e está no periódico especializado Science Advances. A participação de pesquisadores de uma empresa no estudo não é por acaso: Dominy e seus colegas Casey Lynch e Andrei Konradi já patentearam drogas que parecem ser capazes de bloquear a ação do micróbio.

As raízes da doença de Alzheimer, apesar de terem sido intensamente estudadas nas últimas décadas, ainda não são de todo compreendidas. Em anos recentes, a hipótese que tem ganhado mais força é a de que o problema começa com alterações na proteína conhecida como tau (nome da letra grega equivalente ao nosso T).

Muito abundante no interior dos neurônios saudáveis, a proteína tau pode sofrer, em certos contextos, modificações em sua estrutura, à qual se conectam múltiplos grupos fosforil (formados por átomos de fósforo e oxigênio). Quando isso acontece, as moléculas de tau podem agregar-se umas às outras, formando fibras e filamentos que levam à perda de neurônios e de sinapses (as conexões entre os neurônios).

Por mecanismos que ainda não estão totalmente claros, o processo de agregação de moléculas de tau pode se espalhar de sinapse em sinapse, matando paulatinamente as redes de neurônios. É comum que isso comece em áreas do cérebro essenciais para a formação de novas memórias, o que explica os esquecimentos recorrentes de quem sofre do mal de Alzheimer. O processo pode conduzir o paciente à morte.

A conexão com a tau fica mais clara no primeiro estudo, o que envolve privação de sono. Acontece que a proteína é liberada pelos neurônios com mais frequência quando eles estão excitados, com conexões mais intensas nas sinapses, o que tende a ser mais comum durante o estado desperto. Seria de esperar que um processo ainda mais forte de acúmulo de moléculas de tau acontecesse quando um indivíduo fosse impedido de dormir normalmente.

Foi exatamente o que os pesquisadores verificaram, primeiro analisando camundongos que foram manipulados manualmente em laboratório para não dormir direito: a presença de tau dobrou nos roedores privados de sono normal.

Já em humanos que participavam de um experimento no qual eles alternavam noites de repouso com outras nas quais o sono era periodicamente interrompido, o aumento de moléculas de tau no chamado líquido cefalorraquidiano (fluido presente no cérebro e na medula espinhal) foi de 50%. De quebra, outros experimentos com camundongos que receberam injeções de versões humanas da tau em seu cérebro revelaram que a proteína se espalhou por outras regiões do órgão durante os ciclos de privação de sono.  

A presença da bactéria P. gingivalis, causadora da periodontite crônica (basicamente uma inflamação séria da gengiva e das áreas adjacentes), por outro lado, é um fator de risco já conhecido para o surgimento do mal de Alzheimer.

Ainda não havia pistas mais detalhadas sobre a relação causal entre uma coisa e outra, no entanto. Seria concebível que pessoas nos inícios da doença degenerativa acabassem simplesmente descuidando da higiene bucal, sem que a bactéria estivesse ligada ao problema.

Novos dados levantados pela equipe de Dominy, porém, fortaleceram a ideia de uma conexão causal. Camundongos infectados com o micróbio por via oral tiveram seu cérebro também invadido pela P. gingivalis, com efeitos moleculares que lembram muito o mal de Alzheimer.

Os pesquisadores também identificaram tanto proteínas quanto DNA da bactéria em praticamente todos os cérebros de pessoas com Alzheimer que estudaram (a frequência em cérebros humanos saudáveis cai pela metade).

Uma toxina produzida pela bactéria é capaz de causar morte de neurônios e de afetar estruturalmente a tau, o que poderia funcionar como gatilho da doença. E, por fim, as moléculas patenteadas pelos cientistas para bloquear essa toxina conseguiram enfrentar a infecção em camundongos, protegendo os neurônios —coisa que antibióticos comuns não conseguem fazer, pelo que se sabe.

Portanto, se mais pesquisas confirmarem esses dados, regularizar o sono e diagnosticar e combater a presença da P. gingivalis poderão entrar no rol de abordagens promissoras contra o mal de Alzheimer.

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