Em livro, pesquisador discute o Antropoceno, nova era geológica criada por humanos

Transformações mensuráveis fortalecem a proposta de rebatizar o período que vem a partir de 1950

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São Carlos

No ano que vem, geólogos do mundo todo devem discutir, e talvez chancelar, uma proposta que rebatiza a fase da história da Terra em que vivemos. Para os numerosos defensores dessa ideia, já estaríamos em pleno Antropoceno, a época geológica marcada pelos efeitos da ação humana sobre o planeta. Até que ponto essa redefinição é sólida e quais são suas implicações para o futuro da humanidade?

A história intelectual desse debate, que ainda está distante de terminar, é o tema do novo livro do economista José Eli da Veiga, “O Antropoceno e a Ciência do Sistema Terra”. 

Veiga, que é professor do Instituto de Estudos Avançados da USP e um dos grandes nomes do Brasil em pesquisas sobre desenvolvimento sustentável, produziu um volume de tamanho modesto que empacota boa parte dos conceitos-chave para entender como cientistas e ambientalistas passaram a conceber o funcionamento do planeta nas últimas décadas, bem como o impacto crescente de uma espécie, o Homo sapiens, sobre esse sistema planetário.

Garoto brinca em meio a lixo plástico
Criança em meio a lixo plástico - Chandan Khanna/AFP

Existem muitas maneiras de contar essa história, e o especialista não se furta a explorar várias delas. Há, por exemplo, a influência da chamada hipótese Gaia, inicialmente formulada nos anos 1970 pelo britânico James Lovelock e pela americana Lynn Margulis.

Os dois postularam que o planeta se comportava de forma similar a um gigantesco organismo vivo do ponto de vista da regulação constante de seus parâmetros.

Segundo essa visão, Gaia estaria mantendo os parâmetros planetários dentro de fronteiras favoráveis à manutenção da vida. Ao chacoalhar os andaimes que sustentam esses parâmetros, a ação coletiva dos seres humanos poderia tirar Gaia de sua zona de conforto.

Hoje, é difícil achar cientistas que abracem uma versão “forte” da hipótese Gaia, com aspectos que beiram o místico. Por outro lado, cresce o consenso de que vivemos num mundo profundamente transformado pela chamada Grande Aceleração de meados do século 20 em diante.

Nesse processo, o Homo sapiens tem alterado radicalmente a composição da atmosfera e dos oceanos, produziu centenas de milhões de toneladas de compostos nunca vistos na natureza (como o plástico) e passou a se apropriar de cerca de metade de toda a biomassa produzida por vegetais terrestres.

Foi graças a essas transformações facilmente mensuráveis que se fortaleceu a proposta de rebatizar o período dos anos 1950 em diante (grosso modo) de Antropoceno, deixando para trás o Holoceno, período que começou há cerca de 11 mil anos, com o fim da Era do Gelo e a aurora da agricultura.

Os geólogos estão debatendo os métodos mais apropriados para localizar, em camadas de rocha, sedimentos marinhos e capas de gelo polares, o momento que será convencionado como o início oficial do Antropoceno.

Até aí, tudo faz sentido, diz Veiga, que aposta numa rápida oficialização do termo em 2020, apesar da oposição de alguns geólogos ao que enxergam como instrumentalização política do Antropoceno. O passo seguinte do autor, porém, é mergulhar numa das questões mais espinhosas da história recente da ciência: até que ponto já chegamos a uma revolução conceitual acerca do funcionamento do planeta como sistema único?

Essa era a promessa da chamada ciência do Sistema Terra, citada no título do livro. No fundo, é isso o que buscam alcançar organismos como o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), órgão ligado à ONU.

O problema é que, se ainda é difícil criar modelos matemáticos que consigam estimar com precisão o papel da atmosfera, dos oceanos e da cobertura vegetal no clima do futuro, engatinhamos no que diz respeito aos fatores econômicos, sociais e políticos.

E jaz aí a maior ironia: se já adentramos a Era do Homem, são justamente esses fatores humanos —difíceis de medir, rapidamente mutáveis e não lineares— as principais variáveis para prever o destino do “Sistema Terra”. 

O livro, portanto, é o relato de uma revolução conceitual incompleta e um chamado às armas, em certo sentido: achar métodos para fazer com que todas as peças —físicas, biológicas e humanas— se encaixem é essencial para traçar cenários do futuro e, se for o caso, tentar evitá-los.

O Antropoceno e a Ciência do Sistema Terra
Autor: José Eli da Veiga;
Editora 34;
R$ 43 (152 págs.)

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