Descrição de chapéu The Washington Post

Olhar dos cachorros está ligado ao seu processo evolutivo, sugere estudo

Elevação da sobrancelha interna faz os olhos dos cães parecerem maiores e mais infantis

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Karin Brulliard
The Washington Post

A expressão melancólica, pidona, que os cães fazem ao colocar suas sobrancelhas para cima é tão familiar que existe até uma expressão idiomática em inglês para descrevê-la: “puppy-dog eyes” (olhos de cachorrinho).

Um estudo recente publicado na revista  Proceedings of the National Academies of Sciences sugere que trata-se de mais um exemplo da capacidade dos cães de se comunicar com pessoas, algo que evoluiu à medida que os animais foram domesticados, partindo de lobos da antiguidade, pelo menos 15 mil anos atrás.

Um músculo específico causa a elevação da sobrancelha interna que faz os olhos dos cães parecerem maiores e mais infantis, produzindo uma expressão semelhante à dos humanos quando estão tristes.

An adult dog named Baska raises her inner eyebrows, making what people think of as "puppy-dog eyes." MUST CREDIT: Courtesy of the University of Portsmouth
Elevação da sobrancelha interna dos cães faz seus olhos parecerem maiores e mais infantis - Divulgação/Universidade de Portsmouth

Os pesquisadores descobriram que seis cães mortos que eles dissecaram possuíam esse músculo, enquanto quatro lobos dissecados não ou quase não o apresentavam.

Eles também constaram que 27 cachorros encontrados em abrigos para animais abandonados no Reino Unido faziam a expressão com a sobrancelha levantada muito mais frequentemente e fortemente quando interagiam com desconhecidos do que a faziam nove lobos vivendo em dois zoológicos tipo safari.

Os autores escrevem que isso sugere que os animais caninos da antiguidade com sobrancelhas expressivas podem ter estimulado humanos a cuidar deles. Esse cuidado teria dado aos animais uma vantagem de seleção natural que lhes teria permitido transmitir os “olhos de cachorrinho” a seus descendentes.

“O interessante dessa descoberta é a probabilidade de nossos vieses inconscientes terem influenciado a evolução da musculatura ocular dos cães”, disse Brian Hare, antropólogo evolutivo da Universidade Duke e especialista em cognição canina. Hare editou o estudo, mas não participou da pesquisa.

“A presença dessas diferenças anatômicas entre lobos e cães é um sinal inequívoco de que nosso desejo de cooperar e nos comunicar com cães foi uma força que influenciou a evolução dos cães.”

A nova pesquisa levou adiante um trabalho anterior dos autores que examinou esse movimento muscular nos cães. Um estudo constatou que cães que estão em abrigos que faziam a elevação da sobrancelha interna são adotados em menos tempo que os que não a fazem —é uma espécie de demonstração contemporânea do poder que os “olhos de cachorrinho” possuem de emocionar os humanos.

Outro estudo descobriu que os cães fazem olhos de cachorrinho com mais frequência quando há pessoas olhando para eles.“É exatamente esse tipo de comportamento que leva muitos donos de cachorros a pensar ‘ele está querendo alguma coisa, o que será?’”, disse em entrevista Anne Burrows, bioantropóloga da Universidade Duquesne.

Como todas as variações físicas vistas em uma espécie que foi basicamente modificada propositalmente pelos humanos, o desenvolvimento desse músculo ocular dos cães aconteceu em um prazo curtíssimo, ela disse: “Estou apenas especulando aqui, mas o processo de domesticação deve produzir mudanças evolutivas nos cães em tempo muito menor que as mudanças evolutivas que veríamos no mundo selvagem”.

Quando se trata das conexões entre humanos e cães, os olhos são importantes. Quando defrontados com um problema que não sabem resolver, os cães fazem contato olho a olho com pessoas; lobos não fazem isso. 

Pesquisadores descobriram que quando estão se olhando olho no olho, os níveis de oxitocina, o “hormônio do amor”, sobem tanto em humanos quanto em cães. A mesma coisa ocorre quando mães e bebês se olham nos olhos. O novo estudo identificou mais uma diferença facial entre lobos e cães.

Um músculo que puxa as pálpebras em direção às orelhas, algo que Burrows diz que acontece quando um cão está ofegante e quase parece estar “sorrindo”, estava presente em todos os cães dissecados menos um —um husky siberiano, uma raça canina antiga que tem parentesco mais estreito com lobos.

Três dos lobos dissecados possuíam esse músculo, mas ele era mais fino e provavelmente mais fraco, segundo o estudo. A descoberta sobre as sobrancelhas levanta a possibilidade de que os olhos de cachorrinho não são algo que os humanos escolheram, mas um subproduto da domesticação. Um estudo longo sobre domesticação de raposas prateadas (uma forma melanizada da raposa vermelha) mostrou que determinadas características físicas —orelhas moles, caudas cacheadas, pelagem malhada) aparecem quando as pessoas selecionam os animais mais mansos para ser criados.

É a chamada síndrome da domesticação, e, segundo Burrows, é possível que a elevação das sobrancelhas dos cachorros faça parte disso.“Os cães domésticos foram criados por humanos, e evidentemente selecionamos espécies que não fossem nos morder nem morder nossos filhos”, disse Burrows. “Essa síndrome de domesticação tem características que se interligam.”

O cientista comportamental Clive Wynne, que dirige o Colaboratório de Ciência Canina na Universidade do Estado do Arizona, descreveu o estudo como “muito interessante e original”. Mas disse que, para se convencer mais da validade de suas conclusões, ele gostaria de ver resultados de uma amostra maior que abrangesse mais raças de cães e subespécies de lobos, além de lobos e cães com níveis diversos de experiência com humanos.

“Embora a evolução (domesticação) tenha evidentemente resultado em mudanças cruciais entre os lobos e seus antepassados lupinos, o comportamento de um indivíduo em qualquer momento também é fruto de suas experiências de vida individuais”, escreveu Wynne em e-mail. “Um estudo que descreva comportamentos entre cães ou lobos e humanos precisa explicar o tipo de experiências de vida que tiveram os indivíduos testados.”

Burrows disse que ela e seus co-autores pretendem levar a pesquisa adiante e analisar outras raças de cães, coiotes e raposas domesticadas. Ela observou que o formato do rosto de um pug não se assemelha em nada com o de um collie.

“O formato vai potencialmente ditar como o rosto pode se mexer”, ela observou. “Quando ampliarmos o estudo para focar realmente sobre como é essa musculatura, vou estar interessada em ver quais as diferenças que poderemos apontar.”

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.