Fitas do 1º pouso na Lua compradas por US$ 218 podem valer US$ 1 milhão

Imagens perdidas do pouso lunar serão leiloadas pela Sotheby's no sábado (20)

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Ben Kenigsberg
Nova York | The New York Times

A caminhada dos tripulantes da Apollo 11 pela Lua não foi a primeira transmissão televisiva feita do espaço, mas foi a mais espantosa, em termos de alcance geográfico. Conexões de micro-ondas, satélites e linhas terrestres transportaram imagens dos passos de Neil Armstrong a todo o planeta, da Austrália aos Estados Unidos, Japão e Europa, e mesmo a certas áreas do bloco oriental, virtualmente em tempo real. Era TV ao vivo, transmitida de mais de 320 mil quilômetros de distância, com a tecnologia de 1969.

Ainda que a experiência de assistir ao evento esteja muito presente na memória de quem o fez, para os historiadores da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) dos Estados Unidos e outros especialistas em exploração espacial, a preservação da transmissão criou algum drama.

No sábado, o 50º aniversário da primeira alunissagem (pouso na Lua), três fitas de videotape serão leiloados pela Sotheby's, descritas como "as únicas gravações sobreviventes de primeiras geração da caminhada histórica pela Lua", e como "a mais antiga, mais bem definida e mais precisa imagem em vídeo dos primeiros passos do homem na Lua".

De acordo com a Sotheby's, um estagiário da Nasa chamado Gary George comprou as fitas como parte de uma coleção de 1.150 vídeos, em um leilão de material excedente do governo em 1976. Ele pagou US$ 217,77 (cerca de R$ 820) pelo lote. Os lances no sábado começam em US$ 700 mil (R$ 263 mil), e a Sotheby's estima que as fitas serão vendidas por mais de US$ 1 milhão (R$ 3,8 milhões)

As Imagens da lua e da Apollo 11 presentes na coleção de fitas que serão leiloadas na Sotheby's na data do 50º aniversário do pouso na Lua
As Imagens da lua e da Apollo 11 presentes na coleção de fitas que serão leiloadas na Sotheby's na data do 50º aniversário do pouso na Lua - NYT - VIA SOTHEBY'S

A maneira pela qual os três humildes rolos de fita vieram a ser encarados como um artefato histórico precioso está relacionada às técnicas elaboradas usadas para levar imagens da alunissagem (pouso na luta) ao público. A história também envolve erros do governo que resultaram na destruição de outros registros que poderiam disputar com o material de George a posição de registro mais antigo disponível.

Porque o módulo lunar tinha limitações de largura de banda em suas transmissões para a Terra —a banda disponível teria de carregar também comunicações de voz e informações médicas dos astronautas—, a Westinghouse projetou uma câmera especial que gravava imagens em baixa velocidade, de apenas 10 quadros por segundo. As imagens eram transmitidas a três estações de rastreamento instaladas na Terra, duas delas na Austrália e uma na Califórnia. Lá, elas eram gravadas em fitas de telemetria, também conhecidas como fitas de varredura lenta ou fitas de instrumentação. Esses registros eram a versão gravada mais pura do que a câmera capturou na Lua.

Mas não foram essas as imagens vistas pelos telespectadores. A velocidade padrão de transmissão de vídeo nos Estados Unidos era de 30 quadros por segundo, não 10. E em 1969, a "conversão na prática envolvia apontar uma câmera de TV para uma tela capaz de exibir esse sinal não padronizado", disse Stephen Slater, historiador e especialista em arquivos do programa estadual americano.

Quando a imagem convertida chegava às salas de estar - depois de transmissões por micro-ondas e por satélite através do planeta, e de roteamento por Houston -, "a imagem estava cheia de fantasmas", ele disse. "A qualidade era realmente abaixo do padrão, comparada àquilo que a câmera tinha de fato registrado".

As fitas de varredura lenta são consideradas como as primeiras e mais claras gravações da alunissagem. "Foi nelas que as imagens foram gravadas de modo bruto quando vieram da Lua", disse Richard Nafzger, engenheiro aposentado da Nasa que coordenou as operações de TV do projeto da missão Apollo 7 à Apollo 17.

Mas é provável que essas fitas tenham sido perdidas para sempre.

Nos anos 2000, a Nasa conduziu uma busca por elas e concluiu que quase certamente haviam sido reutilizadas ou apagadas em um período de escassez de fitas na Nasa, no começo dos anos 80.

As gravações em vídeo da transmissão mantidas pela Nasa em Houson tampouco se saíram melhor. "Durante a escassez de energia na era de Jimmy Carter, o ar condicionado de quase todos os edifícios do governo era desligado, de noite e nos finais de semana", disse Bill Wood, que era um dos engenheiros da estação de rastreamento da Califórnia e participou da busca pelas fitas de telemetria e, mais tarde, pelas fitas de vídeo de melhor qualidade. A alta umidade da região de Houston resultou em danos irreparáveis nas fitas.

Esses acontecimentos infortunados fizeram das fitas de George as herdeiras do posto de gravação mais antiga que resta da transmissão - por um fio de cabelo.

Os três rolos de fitas compradas por um estagiário da NASA como parte de uma coleção de 1.150 bobinas vão a leilão no sábado, data em que se comemora o 50º aniversário do pouso na lua, os rolos serão leiloados na Sotheby's e comercializados como sendo “as únicas gravações sobreviventes da primeira geração da caminhada histórica da lua”
Os três rolos de fitas compradas por um estagiário da NASA como parte de uma coleção de 1.150 bobinas vão a leilão no sábado, data em que se comemora o 50º aniversário do pouso na lua, os rolos serão leiloados na Sotheby's e comercializados como sendo “as únicas gravações sobreviventes da primeira geração da caminhada histórica da lua” - NYT - VIA SOTHEBY'S

Elas foram realizadas no Centro de Espaçonaves Tripuladas, hoje Centro Espacial Johnson, em Houston, onde um técnico selecionava as melhores imagens da Austrália e Califórnia para criar um "feed" (descrito por Slater como "TV Nasa") que era transmitido a todo o mundo.

As fitas de George são uma gravação desse mesmo "feed" que todos viram. Mas as pessoas que estavam acompanhando o "gigantesco salto para a humanidade" de Armstrong estavam vendo uma transmissão por micro-ondas, cabos coaxiais e satélites, de Houston para as redes de TV, com as imagens sofrendo uma ligeira degradação a cada salto.

As imagens nas fitas de George jamais saíram de Houston.

"Serão definitivamente melhores", disse Paul Vanezis, produtor de documentários e diretor que, como assistente de videotapes da rede de TV britânica BBC, no começo dos anos 90 viu as gravações da BBC sobre a missão feitas com base nas imagens brutas.

Ainda assim, alguns especialistas em vídeo questionaram a terminologia usada pela Sotheby's em sua divulgação. Slater, produtor de arquivos no recente documentário "Apollo 11", disse que existem muitas outras gravações de "primeira geração" da transmissão. Isso é verdade, de acordo com uma definição geralmente aceita do termo. De acordo com Vanezis, qualquer gravação feita diretamente da fonte do sinal, e não de outra gravação, seria considerada como "de primeira geração", o que inclui fitas retidas nos arquivos de redes de TV como a BBC, CBS e talvez outras.

"A gravação da BBC é uma gravação de primeira geração", explicou Vanezis. "Não é uma grande gravação" —a Europa foi o último quadrante do planeta a receber a transmissão—, "mas ainda assim é uma gravação de primeira geração".

Cassandra Hatton, vice-presidente e especialista sênior da Sotheby's, disse que comparar as fitas a outras cópias existentes, como as da BBC ou CBS, era "totalmente desnecessário", e que a descrição "primeira geração" se aplica.

"Todas as fitas feitas posteriormente foram produzidas depois de pelo menos um salto de sinal, e a cada salto a qualidade dos dados se degrada", ela disse.

Mas as sutilezas do que torna essas fitas únicas causaram confusão suficiente para que a Nasa publicasse um artigo em 8 de julho para esclarecer que as fitas da Sotheby's não são as fitas perdidas, como algumas publicações incorretamente afirmaram.

(A Sotheby's, que tem uma história detalhada da transmissão da alunissagem e das fitas em, seu site, não afirma que elas são as fitas perdidas.)

A proveniência é outro fator de venda. Hatton enfatizou que as fitas foram feitas em Houston. Elas chegaram à Sotheby's em sua caixa original, com rótulos e o recibo recebido por George ao comprá-las do governo. A agência proprietária é descrita como Centro Espacial Johnson Nasa.

George, 65, é um engenheiro aposentado que vive em Las Vegas, e manteve as fitas em um local com controle climático.

E agora que está envelhecendo, achou que era hora de fazer dinheiro com a pérola que descobriu no leilão de excedentes.

"A maioria das pessoas que estavam vivas e puderam ver essas imagens originalmente, em 20 de julho de 1969, são aquelas que terão apreciação real por isso", ele disse.

Tradução de Paulo Migliacci

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