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Recompensa da ciência não é rápida, mas é vital, afirma Nobel de física

Descobridor do grafeno diz que políticos devem ser educados sobre importância da pesquisa

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Rafael Garcia
São Paulo

O grafeno, um material de carbono criado em 2004 como curiosidade meramente experimental, ganhou a cena da física cinco anos depois e rendeu um prêmio Nobel a seus descobridores.

Um deles, o físico russo Konstantin Novoselov, 45, diz que ainda se surpreende com as propriedades que esse composto (essencialmente uma folha de carbono com um átomo de espessura) revela para a eletrônica e outras aplicações. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) é um dos entusiastas do material.

De passagem por São Paulo para uma palestra no Insper, o cientista falou sobre como sua trajetória ilustra a dinâmica da recompensa que o investimento em ciência traz.

Konstantin Novoselov tem 45 anos e é Graduado pelo Instituto de Física e Tecnologia de Moscou. Ele recebeu em 2010 o Prêmio Nobel de Física junto com Andre Geim. Os dois isolaram e estudaram o grafeno, material que consiste numa folha de carbono com um único átomo de espessura. Em 2019, trocou a Universidade de Manchester pela Universidade Nacional de Singapura - Jardiel Carvalho/Folhapress

Novoselov, que aterrissou no país para falar a uma comunidade científica impactada pelos cortes de verbas no setor, diz que o esforço para financiamento da ciência é um trabalho que não pode parar. 

“Os cientistas precisam explicar às pessoas que a ciência não traz benefícios no curto prazo, mas no longo prazo ela é absolutamente vital”, diz. Recentemente, Novoselov trocou a Universidade de Manchester, instituição onde conquistou o Nobel, pela Universidade Nacional de Singapura, país de pouca tradição em ciência, mas que vem ampliando o orçamento na área. 

À Folha, ele falou das mudanças na carreira e das perspectivas para o grafeno, material já presente em produtos que vão desde raquetes de tênis a circuitos eletrônicos.

O sr. aterrissou no Brasil em uma semana em que foram anunciados mais cortes de verbas para a ciência, num ano em que o orçamento do setor já estava curto. O que os cientistas podem fazer para lidar com uma situação de subfinanciamento? 

Acredito ser dever de todos os cientistas educar o público sobre a importância da ciência e da tecnologia. É muito difícil entender o panorama complexo da relação entre ciência e tecnologia. Os cientistas precisam explicar às pessoas que muitas vezes a ciência não traz benefícios no curto prazo, mas no longo prazo ela é vital. 

E, acredite, não é só no Brasil que esse trabalho de educação dos políticos é necessário. No Reino Unido, nos EUA, na Rússia e em Singapura estamos sempre fazendo esse trabalho com os políticos, explicando que os investimentos em ciência são extremamente importantes. Esse é um problema global.

Que aplicações do grafeno estão mais próximas de afetar a vida das pessoas? 

O grafeno é um material muito versátil. Uma coisa boa é que hoje não precisamos falar apenas de possíveis aplicações futuras. O grafeno gradualmente entra em produtos do dia a dia e aplicações comerciais. A cada ano vemos cada vez mais produtos usando grafeno, incluindo de grandes empresas. 

O futuro já é realidade. Sou um cientista e não tenho controle sobre essas coisas, mas é legal ver como propriedades físicas básicas estão sendo convertidas em aplicações. Há muitas aplicações em materiais compostos funcionais, para gerenciamento térmico, algumas empresas estão desenvolvendo aplicações de grafeno em eletrônica e optoeletrônica. Isso já é realidade. 

Qual aplicação mais tem se beneficiado do grafeno? 

O controle térmico. A Huawei usa grafeno com essa finalidade [dissipar calor] nos telefones celulares que produz, por exemplo. É uma aplicação com muito impacto, pois o grafeno é o único material com condutividade térmica acima de mil watts por metro kelvin [unidade de medida para transmissão de calor].

Mas isso é o que vale para agora —a tecnologia que você pode comprar numa loja. Espero ver muitas outras aplicações impactadas no futuro.

O sr. imaginava que esse material teria tantas aplicações quando o isolou pela primeira vez? 

Não. Quando começamos a trabalhar nos primeiros experimentos, já tínhamos grafeno presente em amostras de grafite fino, mas eu tinha certeza de que [obter] o grafeno em si era impossível. 

Então produzimos o grafeno, e eu também tinha certeza que ele nunca ganharia uma aplicação. Era um bom sistema para estudar ciência, só isso. É muito bom ver que provaram que eu estava errado e que o material está presente em produtos do dia a dia.

O grafeno ainda custa a entrar em algumas aplicações comerciais por causa do custo. É o caso do uso desse material nos motores dos carros a hidrogênio —as células a combustível—  da síntese do hidrogênio molecular para alimentá-los. Há esperança de o custo cair? 

Certamente ele tem um custo, mas a questão é se ele entrega os benefícios para aprimorar a funcionalidade desses novos produtos. Se o aprimoramento das funcionalidades é superior ao aumento do custo, então seu uso faz sentido. 

Se o custo sobe 20%, por exemplo, e o desempenho melhora 100%, o uso faz sentido. Nesse caso, seria o caso de dizer que o grafeno é mais barato.

Células a combustível não são nada baratas, então, me surpreende ouvir que o grafeno seja caro. Para os catalisadores, diferentes tipos de material são usados, mas creio que a tecnologia já esteja madura. O preço não é proibitivo.

Qual é o foco de sua pesquisa agora? 

Depois de estudar o grafeno, nós nos demos conta de que ele não está sozinho. Existem muitos outros materiais bidimensionais, mas que não são baseados em carbono, e sim em outros elementos. 

Tem-se feito grande esforço para estudar esses materiais também. O que podemos fazer agora com tantos materiais bidimensionais é empilhá-los de volta numa forma tridimensional e criar no laboratório novos materiais que não existem na natureza. É isso que estou fazendo agora.

Como pretende desenvolvê-los?

Estamos tentando criar uma abordagem geral para fabricar materiais inteligentes, formulando os princípios básicos de como operar.

Qual foi o tema de sua palestra em São Paulo? 

Foi apenas uma palestra geral, revendo o progresso da pesquisa com o grafeno. Tentei apresentar alguns resultados novos e mostrar um pouco a direção que a ciência dos materiais bidimensionais está tomando, fazendo o mesmo para a ciência dos materiais de modo geral.

O sr. acabou de deixar um posto na Universidade de Manchester, no Reino Unido, e se mudou para a Universidade Nacional de Singapura. O que leva um ganhador do Nobel a abandonar um país de longa tradição em ciência e se estabelecer em uma nação emergente? 

É bom para as pessoas mudar de vez em quando. Isso refresca a nossa perspectiva e nos permite tomar novos rumos a partir do zero. É isso que espero fazer em Singapura. Não quero ser o mágico que só sabe fazer um truque e trabalhar toda a minha vida com grafeno. Eu gostaria de me desconectar do grafeno o máximo possível e trabalhar com outros materiais.

O sr. foi um dos cientistas mais jovens a ganhar o Nobel. Como sua vida mudou desde 2010? 

Ganhar o Nobel é algo que muda sua vida o tanto quanto você quiser que ela mude. Ao menos até certo ponto, a mudança é uma escolha. Eu tentei fazer que não mudasse tanto. Claro que é impossível alegar que nada tenha mudado: as pessoas começam a ouvir você e é claro que surgem mais oportunidades, mas é importante usá-las de maneira inteligente. 

O sr. visitou algum centro de pesquisa de grafeno aqui no Brasil? Não desta vez, mas tenho muitos ex-colaboradores e ex-orientandos trabalhando no Brasil. Conheço-os bem e colaboro com eles às vezes.

No caso dos cientistas e dos países que ainda não estão avançados na pesquisa do grafeno e de materiais similares: dá tempo de embarcar? Da perspectiva pessoal de um cientista, você sempre tem que trabalhar com o tema que mais o deixa entusiasmado. Existem muitas e muitas lacunas de conhecimento, em muitas áreas da ciência. 

Ainda estamos vendo descobertas e experimentos fantásticos sendo feitos com grafeno, mesmo ele já tendo sido estudado maciçamente nos últimos 15 anos. Então, se você é um estudante entusiasmado com o grafeno, eu diria simplesmente: “vá em frente”.

Mas responder da perspectiva de um país é diferente. No caso do Brasil, existe um núcleo de expertise no grafeno com vários cientistas na área. Já o aparato tecnológico ainda está se desenvolvendo, mas o mesmo vale para outros países. Não dá para dizer que tenham perdido esse bonde. 

Na década de 1990, ensaiava-se uma rejeição da nanotecnologia, temendo que materiais nessa escala tivessem comportamento imprevisível e fossem nocivo aos humanos. Esse medo se dissipou? O público abraçou a nanotecnologia? 

A nanotecnologia é uma realidade. É preciso conviver com ela, é inevitável. As armas nucleares são um problema, mas não se pode ignorá-las.

Como eram materiais desconhecidos, poderiam adquirir comportamentos diferentes dos convencionais. Então, temos que entendê-los bem, pode haver implicações que nos levem a ter moderação. 

É importante não ser relapso e fazer estudos cuidadosos, mas é crucial entender que eles estão aqui e que vão ser usados queiramos ou não.

O sr. costumava se dedicar à arte, além da ciência. Tem tido tempo para isso? 

Pintar é meu hobby. Ao sair do Brasil vou passar alguns dias na Rússia e participarei de uma exposição do meu trabalho que usa inteligência artificial, algumas pinturas e peças de videoarte, feitas em colaboração com artistas de Moscou.

Também pinto sozinho, mas infelizmente não tenho tido tempo. Faço umas dez pinturas por ano e me orgulho.

É bastante.

Sim. Mas é arte chinesa, que leva pouco tempo para ser produzida.

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