Neutrino, uma das partículas mais leves, é enfim colocado na balança

Peso máximo do neutrino mais leve é de 0,0000000000000000000000000000000000015 quilograma

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São Carlos (SP)

Um dos componentes mais leves do Cosmos finalmente foi colocado na balança, graças a pesquisadores do Brasil, da Europa e da África do Sul. Com a ajuda de telescópios, aceleradores de partículas e um supercomputador, eles conseguiram estimar um limite para a massa de um dos tipos da partícula fantasmagórica conhecida como neutrino.

“Fantasmagórica” não é mera força de expressão. Num único segundo, por exemplo, 100 bilhões de neutrinos emitidos pelo Sol atravessam o polegar de cada ser humano na Terra – sem causar dano algum, já que tais partículas quase não interagem com outros tipos de matéria, em parte por serem eletricamente neutras (não possuem carga positiva nem negativa).

Mas seu efeito é sentido nas grandes escalas cósmicas, o que explica o interesse dos físicos em entender as propriedades dos neutrinos. Na nova pesquisa, a equipe encabeçada pelo brasileiro Arthur Loureiro, do University College de Londres, propõe que a massa do neutrino mais leve deve ser inferior a 0,086 eV (elétron-volt), o que é equivalente a 1,5 x 10-37 kg (ou seja, com 37 casas decimais depois da vírgula).

Ilustração da produção de uma luz azul
Quando os neutrinos interagem com o gelo, produzem partículas que geram uma luz azul, segundo os astrônomos - Universidade Penn State/Amon/Nate Follmer

É muito pouco, de fato, mas pode ser ainda menos – literalmente zero, ou ausência completa de massa. Isso se deve a mais uma complicação do comportamento dessas partículas misteriosas. Existem três “sabores” (variantes) delas e, embora a massa combinada dos “sabores” seja diferente de zero, nada impede que um deles não tenha massa.

“Minha analogia preferida para explicar isso é a do sorvete napolitano”, disse Loureiro à Folha. “Sempre que minha avó nos dava sorvete napolitano de sobremesa, ela nos obrigava a pegar um pouco de cada sabor – o quanto de cada dependia da colherada. As leis da física exigem o mesmo para os ‘sabores’ dos neutrinos e suas massas. Cada massa de neutrino é como uma colherada, que precisa ter um pouquinho de cada sabor, em diferentes combinações.”

Que a combinação dos sabores deve equivaler a uma massa não nula, superior a zero, é algo que os físicos confirmaram há relativamente pouco tempo, de uns 20 anos para cá. A descoberta, aliás, foi coroada com o Prêmio Nobel em Física de 2015. No trabalho assinado pelo brasileiro, que acaba de sair na revista científica Physical Review Letters, os pesquisadores também estimaram um limite máximo para a massa somada dos três tipos de neutrino: 0,26 eV.

Um dos métodos usados para chegar aos números foi a observação do Universo em escalas cosmológicas, “onde galáxias são praticamente pontinhos”, conta Loureiro. Em tais escalas desmesuradas, a presença de neutrinos com massa faz com que a estrutura cósmica pareça mais difusa, como se estivesse sendo vista por alguém com miopia.

“Isso acontece porque, de um lado os neutrinos são extremamente leves, viajando a velocidades muito próximas da alcançada pela luz; mas, de outro, por possuírem massa, eles arrastam um pouco de matéria para todos os lados”, diz o pesquisador.

Dados como esses, bem como um modelo matemático criado pela equipe, alimentaram o supercomputador Grace, do University College, que chegou às estimativas propostas pelos cientistas. O processo todo levaria 60 anos se fosse tocado por um processador computacional comum.

Novos telescópios e experimentos de física de partículas devem tornar as estimativas ainda mais precisas e, quem sabe, determinar de uma vez por todas se um dos sabores de neutrinos tem ou não massa. Entre essas iniciativas estão o telescópio espacial europeu Euclid e o J-Pas, observatório astronômico que está sendo construído pelo Brasil e pela Espanha na serra de Javalambre (em solo espanhol).

Participaram da pesquisa ainda cientistas da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), da USP e de instituições da França e da Espanha.

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