Erupção vulcânica pode ter impulsionado fim da República romana

Evento no Alasca pode ter afetado clima na Europa, causando fome, diz estudo

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São Carlos (SP)

Assassinatos políticos, alianças cambiantes e guerras civis costumam ser citados entre os fatores que levaram ao fim da República e ao início do Império na Roma antiga. Um novo estudo sugere que é preciso acrescentar mais um fator a essa equação explosiva: erupções vulcânicas que modificaram profundamente o clima do hemisfério Norte durante anos a fio, afetando as colheitas e produzindo fome e doenças em grande escala.

A hipótese, que acaba de ser apresentada em artigo na revista científica PNAS, combina uma série de dados bastante precisos sobre o vulcanismo do último século antes do nascimento de Cristo com informações sobre o clima da Antiguidade presentes em textos do Mediterrâneo e da China.

Caldeira formada após a erupção do vulcão Okmok, no Alasca, que pode ter afetado a história de Roma
Caldeira formada após a erupção do vulcão Okmok, no Alasca, que pode ter afetado a história de Roma - Kerry Key/Universidade Columbia

Por ora, as peças parecem se encaixar, indicando que, a partir dos primeiros meses do ano 43 a.C., o vulcão Okmok, localizado em uma ilha do estado americano do Alasca, iniciou uma das erupções mais violentas dos últimos 2.500 anos. A data é significativa porque, menos de um ano antes, o célebre político e militar Caio Júlio César (100 a.C.-44 a.C.) tinha sido assassinado por alguns de seus colegas do Senado romano.

César, que tinha se tornado a figura dominante da República nos anos anteriores, morreu deixando um herdeiro politicamente muito habilidoso (Otávio, seu sobrinho-neto e filho adotivo) e um aliado de peso, Marco Antônio. Primeiro, após algumas brigas, os dois se uniram para destruir a facção liderada pelos assassinos de César. Mais tarde, entraram em confronto pelo comando supremo de Roma. As disputas destroçaram o Mediterrâneo e só terminaram de vez em 30 a.C., quando Otávio se tornou o único governante dos domínios romanos. Com o título de Augusto, ele é considerado o primeiro imperador de Roma (veja infográfico).

A equipe de cientistas que datou a erupção no Alasca e estimou seus efeitos climáticos foi coordenada por Joseph McConnell, geólogo do Instituto de Pesquisas do Deserto (estado americano de Nevada). Ele conta que sempre teve um forte interesse por questões históricas e que quase se tornou arqueólogo antes de estudar geologia. “Acabei escolhendo ciências da terra porque achei que seria mais fácil ganhar a vida desse jeito”, disse McConnell à Folha.

A maior parte do trabalho do geólogo versa sobre questões climáticas e ambientais, mas ele e seus colegas passaram a trabalhar mais diretamente com temas da Antiguidade nos últimos cinco anos, quando arqueólogos da Universidade de Oxford o procuraram pedindo ajuda. Eles queriam analisar a poluição por chumbo na Europa há mais de 2.000 anos e, para isso, a equipe se pôs a analisar cilindros de gelo obtidos de geleiras e outros registros do ambiente há milhares de anos. “Sem essas medições anteriores, nunca imaginaríamos que havia essas cinzas vulcânicas no gelo”, conta.

As cinzas são parte importante dessa história, assim como o teor do elemento químico enxofre, outra “assinatura” das erupções. Basicamente, o que a equipe de McConnell fez foi analisar essas pistas químicas presentes em cilindros de gelo da Groenlândia. Tais cilindros funcionam como calendários: como a neve que cai a cada ano na Groenlândia vai formando camadas que, em certos lugares, nunca derretem, elas carregam consigo a composição química da atmosfera no ano em que a neve se formou. A margem de erro da datação de cada camada dos cilindros de gelo é de apenas dois anos.

De um lado, a quantidade de enxofre de origem vulcânica nas camadas deixa claro que a erupção que começou em 43 a.C. e se estendeu por quase dois anos foi violentíssima: dependendo dos cilindros de gelo analisados, ela está entre a primeira e a quarta mais fortes em produção de enxofre. Essa medição é importante justamente porque as partículas ricas nesse elemento químico são as que costumam escurecer a atmosfera e provocar uma espécie de resfriamento global temporário quando grandes erupções vulcânicas ocorrem.

E, de fato, outros registros paleoclimáticos (ou seja, do clima antigo) parecem batem com esse cenário. Duas formas muito importantes de medir isso, os anéis de crescimento formados no interior do tronco das árvores (também em ritmo anual) e em estruturas calcárias formadas em cavernas sugerem que os anos 43 a.C. e 42 a.C. estiveram entre os dez mais frios nos últimos 2.500 anos, e a década que vai de 43 a.C. a 34 a.C. seria a oitava mais fria do mesmo período.

Imagem de satélite do vulcão Okmok, no Alasca, expelindo fumaça em 2008
Imagem de satélite do vulcão Okmok, no Alasca, expelindo fumaça em 2008 - Nasa/Divulgação/AFP

Por fim, menções em escritores da Antiguidade, como os gregos Plutarco e Apiano e o romano Sêneca, mencionam episódios graves de escassez de comida em vários locais do Mediterrâneo nesses mesmos anos.

Os autores do estudo tomam cuidado para não dar a entender que os problemas climáticos teriam causado o fim da República. Para eles, o que provavelmente aconteceu é que a instabilidade associada ao frio e à perda de colheitas teria aumentado ainda mais os conflitos sociais e políticos, os quais, por sua vez, levaram à mudança de regime.

Júlio César retratado por John Gielgud em filme de mesmo nome, de 1970
Júlio César retratado por John Gielgud em filme de mesmo nome, de 1970 - Divulgação

Linha do tempo

O fim da República romana, o começo do Império e o supervulcão do Alasca

Fevereiro de 44 a.C.

Júlio César se torna ditador perpétuo de Roma

15 de março de 44 a.C.

César é assassinado por nobres romanos. Começa a guerra civil entre seus seguidores

Janeiro-fevereiro de 43 a.C.

Erupção vulcânica do monte Okmok, no Alasca, começa a lançar vastas quantidades de enxofre e cinzas na atmosfera. Emissão vulcânica alcança nível máximo no fim do ano e teores atmosféricos de enxofre só voltam ao normal em 41 a.C. Dejetos escurecem a atmosfera e fazem a temperatura do hemisfério Norte cair até 7oC em certas regiões

Outubro de 43 a.C.

Otávio (sobrinho-neto e herdeiro de César) e Marco Antônio (antigo general dos exércitos de César) se aliam para atacar os responsáveis pelo assassinato

42 a.C.

Otávio e Marco Antônio derrotam os assassinos de César e dividem o território dominado por Roma entre si. Mais tarde, Antônio se torna aliado e amante de Cléopatra, rainha do Egito

32 a.C.

Senado romano, controlado por Otávio, declara guerra a Cleópatra

30 a.C.

Otávio derrota Marco Antônio e Cleópatra, que se suicidam. Mais tarde, ele assume o título de Augusto, tornando-se o primeiro imperador de Roma.

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