Descrição de chapéu Coronavírus

Parente da peste bovina, sarampo começou a infectar pessoas em 500 a.C.

Assim como no novo coronavírus, proximidade entre espécies carregados de patógenos levou a génese

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São Carlos

O vírus do sarampo, um dos principais assassinos microscópicos do planeta antes da invenção das vacinas, surgiu por volta do ano 500 a.C., quando seus ancestrais deixaram de infectar bovinos e passaram a se aproveitar da densa população humana nas mais antigas metrópoles da Terra, afirmam pesquisadores alemães.

Ao reconstruir a trajetória histórica do vírus em artigo na revista Science, os especialistas do Instituto Robert Koch, em Berlim, mostram como a gênese da atual pandemia de Covid-19 segue um roteiro muito antigo. Assim como ocorreu no caso do novo coronavírus, foi a proximidade entre espécies de mamíferos carregados de patógenos e a concentração de milhares de seres humanos num espaço relativamente pequeno que levou à gênese do sarampo.

Entender como esse processo aconteceu é importante tanto para analisar o impacto histórico das grandes pandemias quanto para proteger a saúde de pessoas e animais hoje. Afinal, nada garante que outros vírus aparentados ao sarampo não possam fazer o salto entre espécies no futuro, e o patógeno ainda mata dezenas de milhares de pessoas por ano planeta afora, em parte porque a vacinação contra ele ainda não é universal.

Para estimar com relativa precisão a época em que o vírus surgiu, a equipe coordenada por Ariane Düx e Sébastien Calvignac-Spencer teve como trunfo o mais antigo genoma do patógeno decodificado até hoje. O material genético ficou preservado no pulmão de uma menina alemã de dois anos de idade que morreu por causa da doença em 1912.


O importante é que a amostra, embora seja relativamente recente, vem de uma época em que a vacina contra o sarampo não existia (ela começou a ser usada nos anos 1960). Isso significa que suas características correspondem a um tempo em que a diversidade genética do vírus era muito maior, antes que a maioria das linhagens do parasita viral fossem extintas por causa da vacinação.

É pouco provável que os cientistas consigam obter o material genético de vírus do sarampo ainda mais antigos, porque o genoma deles é feito de RNA, molécula “prima” do DNA que se desfaz com muito mais facilidade na natureza.

Apesar dessa limitação, o genoma do vírus de 1912, comparado ao de linhagens que remontam aos anos 1950 e 1960 e a vírus similares que infectam outros mamíferos, trouxe informações suficientes para reconstruir a taxa de mutações no material genético do grupo ao longo do tempo e, assim, estimar a época de origem do vírus. Grosso modo, é como contar o número de “tique-taques” de um relógio para saber quanto tempo transcorreu no total, sendo que um tique-taque desse relógio de mutações corresponde a trocas de “letras” químicas do RNA viral.

Na comparação, foram usados o vírus da peste bovina, parente mais próximo do vírus do sarampo em outras espécies, e um primo viral um pouco mais distante, o PPRV (sigla, em francês, de “vírus da peste dos pequenos ruminantes”), que afeta animais como cabras e ovelhas. Tudo indica que, ao longo do tempo, formas ancestrais desses vírus primeiro saltaram dos pequenos ruminantes para os bovinos e, por fim, dos bovinos para humanos.

“Uma razão que nos leva a propor essa ordem é que tanto o sarampo quanto a peste bovina precisam de grandes populações de hospedeiros, e acredita-se que as populações de gado alcançaram esse tamanho muito antes do que as humanas”, explicou Düx à Folha.

Além disso, diz ela, o parentesco muito mais próximo entre cabras, ovelhas e bois sugere que o contágio inicial foi entre essas espécies, para só depois chegar ao Homo sapiens, evolutivamente mais distante dos demais.

O sarampo se espalha tão rápido entre indivíduos suscetíveis (ou seja, que nunca tiveram a doença antes) que, no caso dos seres humanos, calcula-se que seja necessária uma população local de 250 mil a 500 mil pessoas para que a doença continue existindo. Do contrário, todos são infectados e ficam imunes (ou morrem) num período curto, e o vírus não tem mais para onde ir.

A pesquisa estima que a data de maior probabilidade de surgimento do vírus seria 528 a.C., dentro de um intervalo mais amplo que vai 1174 a.C. a 165 d.C. O período mais provável de origem bate com a formação dos primeiros grandes centros urbanos no Velho Mundo.

A Babilônia, no atual Iraque, tinha cerca de 200 mil habitantes por volta de 600 a.C., por exemplo, e o território de Atenas, na Grécia, abrigava uns 400 mil habitantes em 450 a.C. Antes disso, no fim da Idade do Bronze e começo da Idade do Ferro, ainda não haveria nenhum local com “massa crítica” para abrigar epidemias autossustentáveis de sarampo, estimam os pesquisadores.

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