Neste sábado (11) foram anunciadas as primeiras imagens do Sirius, o maior acelerador de elétrons do Brasil e um dos mais avançados do mundo. Nesses primeiros experimentos foram radiografadas proteínas do novo coronavírus. A expectativa é que a ferramenta seja cada vez mais empregada para tentar entender o vírus e combater a pandemia
A amostra analisada foi da proteína 3CL, crucial para o desenvolvimento do vírus. Ela foi produzida no LNBio (Laboratório Nacional de Biociências), que, assim como Sirius, fica localizada no CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), em Campinas.
A 3CL é uma enzima importante para o processo de replicação viral dentro das células que ele invade. Conhecendo a estrutura dessa proteína, por exemplo, é possível construir moléculas que sirvam de inibidores, ou seja, que bloqueiem sua ação, barrando o avanço da infecção.
Sabe-se que a 3CL tem “bolsões” onde esses inibidores poderiam se ligar, impedindo a atividade da enzima. Ao se compreender a topografia desses bolsões, é mais fácil projetar moléculas que atrapalhem a atividade da 3CL do Sars-CoV-2.
“A escolha dessa proteína tem várias razões: é uma proteína-chave para o ciclo de vida do vírus e, portanto, um alvo potencial para o desenvolvimento de fármacos. Além disso, as pesquisas do CNPEM, na frente de ação que busca tratamentos para Covid-19, já havia avaliado essa proteína em estudos in sílico [simulações computacionais]. Agora, a força tarefa analisa inibidores também em estudos in vitro (em laboratório, com o vírus e com a protease isolada) e a pesquisa avança para investigar a interação molecular entre essa proteína e os inibidores selecionados”, explica a pesquisadora Daniela Trivella, que coordenou o experimento.
“Além do nosso compromisso com a agenda pública de pesquisas com o Sars-CoV-2, coordenada pelo MCTI, o início da operação da Manacá [estação experimental utilizada] vai beneficiar a comunidade científica de todo o País. Pesquisadores dedicados a estudar os detalhes moleculares relacionados à doença poderão submeter, a partir da próxima semana, propostas de pesquisa para utilizar essa linha de luz”, diz Mateus Cardoso, da divisão de materiais moles e biológicos do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron), que abriga o Sirius.
O Sirius poderá comportar até 38 linhas de luz, ou seja, as estações experimentais onde os experimentos são feitos e os materiais analisados. São como microscópios complexos que, em vez de luz, focalizam a chamada radiação síncrotron, a fim de que ela ilumine amostras, revelando aspectos bem íntimos de sua estrutura.
A primeira linha a realizar experimentos —com a qual se obteve a imagem da 3CL— é a linha Manacá, especializada no estudo estrutural de macromoléculas biológicas, como as proteínas virais. Ao todo estão previstas 13 linhas de luz numa primeira fase. Outra linha de luz que deve ficar pronta logo e que prometa ajudar nos estudos ligados ao novo coronavírus é a Cateretê, que permitirá produzir imagens celulares tridimensionais de alta resolução
Uma característica do Sirius, equipamento de R$ 1,8 bilhão e construído em sua maior parte com tecnologia nacional, é a aplicabilidade em diversas áreas, como energia, alimentação, ambiente, saúde e defesa.
O Sirius tornou-se prioridade para o governo Bolsonaro, e, apesar dos cortes de gastos na ciência, vem recebendo dinheiro para manter e ampliar suas operações. Recentemente o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação criou a Rede Vírus, da qual o Sirius e o CNPEM participam, colaborando com a busca de fármacos, e, como no caso do estudo da enzima 3CL, no entendimento da biologia do vírus.
O novo acelerador, contudo, ainda não está em sua versão final. A pandemia atrasou alguns ajustes técnicos importantes para dar qualidade para o feixe de elétrons. “Pode demorar até chegarmos nas especificações do projeto, ainda faltam equipamentos”, afirma Antônio José Roque, diretor do CNPEM.
“Mesmo assim, o Brasil está no seleto grupo de países que pode contar com um síncrotron para realizar suas pesquisas”, afirma Roque. “Mostramos que é possível obter a imagem de uma proteína real, com sofisticação necessária para entender sua estrutura. Isso abre as portas para o Sirius começar a fazer ciência.”
A partir desta segunda (13), grupos de pesquisa poderão se inscrever para usar a linha Manacá para pesquisa relacionadas à Covid-19. Poderão aplicar propostas aqueles que já tenham familiaridade com experimentos de cristalografia de proteínas, ou seja, especializados em desvendar suas estruturas tridimensionais.
A rigor poderiam participar da chamada pesquisadores do Brasil e do mundo. “Todos seriam bem-vindos, mas há questões que não dependem de nós, como ter que viajar até o Brasil durante a pandemia”, diz Roque.
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