Descrição de chapéu universidade

Cientistas relatam atraso no pagamento e falta de compromisso do governo com pesquisas já aprovadas

Instabilidade gera falta de perspectiva na carreira e problemas financeiros, além de perda do dinheiro público já investido

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Pesquisadores brasileiros têm vivido meses de instabilidade. Após um ano de 2020 marcado pela pandemia, com atrasos para assinatura de propostas e validação de projetos de pesquisa, o pagamento das bolsas referentes ao primeiro mês de 2021, normalmente feitos até o quinto dia útil do mês, veio com mais de cinco dias de atraso.

Pior: os cientistas agora não sabem se terão como pagar o aluguel no próximo mês, uma vez que os acordos, assinados normalmente até o 15˚ dia do mês, ainda não foram firmados.

A situação se refere ao chamado PCI (Programa de Capacitação Institucional), principal fomento para jovens pesquisadores, em geral recém-doutores, se vincularem a um laboratório de pesquisa, participar de um projeto e receber, por até cinco anos, um financiamento para pesquisa enquanto aguardam, por exemplo, a abertura de vagas por meio de concursos públicos.

As unidades de pesquisa nacionais, vinculadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia, são os principais centros atingidos com esses atrasos.

As bolsas PCI não são equivalentes às bolsas de pós-graduação, destinadas a alunos de mestrado e doutorado que desenvolvem projetos de pesquisa no país em universidades e laboratórios públicos, mas elas são pagas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligado ao MCTI, que também apoia os programas de pós-graduação no país.

Em geral, os institutos recebem o orçamento anual com a determinação de quantas bolsas PCI irá receber e, a partir daí, fazem o processo seletivo para escolha dos projetos, que podem durar até seis anos.

As bolsas são divididas em categorias de acordo com o nível do pesquisador: aqueles que tem título de doutor ou pós-doutorado, são elencados para níveis mais altos, e os valores mais baixos contemplam estudantes de iniciação científica e mestrado. Mas mesmo pós-doutores, muitas vezes, acabam sendo selecionados para as categorias inferiores pela falta de melhores oportunidades e por terem maior qualificação.

Museu Paraense Emílio Goeldi é uma instituição pública, localizada localizado em Belém, capital do estado do Pará.
Museu Paraense Emílio Goeldi é uma instituição pública, localizada localizado em Belém, capital do estado do Pará. - Suellen Dias/Museu Goeldi/Folhapress

A bióloga e pesquisadora do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), Thais Condez, foi aprovada em uma seleção feita em julho de 2019, a penúltima no país, com projeto de pesquisa para avaliar a diversidade de anfíbios e répteis associados a ambientes rochosos na mata atlântica. Depois de renovações picadas em 2020, ela afirma que não há, até o momento, definição se a bolsa irá continuar em 2021. O projeto foi aprovado para até 2023.

Com duas pesquisas de pós-doutorado concluídas, a herpetóloga disse que começou a buscar oportunidades no exterior. “Sou extremamente qualificada e recebo no país uma bolsa de pesquisa que o governo entende não ser de relevância. Isso é, infelizmente, a realidade de muitos doutores e pós-doutores, que estão sem emprego no país e buscam o que dá, até mesmo receber bolsas de valor baixo, como R$ 1.000, para se associar a um laboratório.”

Como só existem dois servidores concursados em todo o instituto, o quadro de pesquisadores do INMA consiste quase integralmente ao de bolsistas PCI. “Somos 30 pesquisadores que entraram em 2019, atuando em diversas áreas de pesquisa, desde conservação e preservação de espécies ameaçadas até projetos focados na bacia do Rio Doce, fortemente atingida com os desastres recentes que aconteceram na região”, diz Condez.

A situação se repete também nas outras unidades de pesquisa de diversas áreas do conhecimento, como o Museu Paraense Emílio Goeldi, referência mundial em pesquisa e acervo da biodiversidade da Amazônia; o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que possui como principais linhas de pesquisa o monitoramento das áreas devastadas da floresta amazônica via satélite e pesquisas relacionadas à previsão do tempo e atmosféricas; e o MAST, Museu de Astronomia e Ciências Afins, cujos estudos focam principalmente na elaboração de práticas para a popularização e divulgação da ciência e na conservação e indexação do principal acervo de instrumentos científicos do país.

Em uma carta aberta publicada na última terça-feira (16) no Facebook, pesquisadores bolsistas PCI comunicaram a possível descontinuidade do programa, tendo como principal motivo a falta de comprometimento do governo em manter o compromisso com as pesquisas desenvolvidas nas unidades.

“O PCI surgiu em 1997 como uma alternativa oferecida pelo MCTI para suprir a falta de profissionais qualificados(as) para desempenhar atividades de pesquisa e extensão acadêmica em UPs deste ministério. Desta forma, evidencia-se que o PCI existe devido à impossibilidade de se compor um quadro apenas de pesquisadores e tecnologistas concursados nestas instituições”, diz um trecho da carta.

“Os trabalhos realizados pelas UPs seguem de maneira bem rigorosa planejamentos que vão ao encontro de questões consideradas estratégicas para a soberania nacional (...), com a produção de conhecimento em áreas como ciência nuclear, engenharia aeroespacial, ciência da computação, astronomia, divulgação e popularização da ciência e tecnologia, exploração de minérios, física teórica e aplicada, ciência humanas e sociais e biologia.”

Outro problema, afirmam os pesquisadores na carta, além da falta de continuidade do programa, seria a perda do dinheiro público já investido com as pesquisas em andamento, o que pode levar a danos irreparáveis ao conhecimento científico e tecnológico produzido. “O país está atravessando uma das piores crises econômicas e sanitárias da sua história e afirmamos que a eliminação dos programas de fomento à pesquisa resultará em atrasos perante outros países. Investir em C&T é investir no futuro do país e em sua soberania”, finalizam.

Procurados, o CNPq e o MCTI não responderam às solicitações da reportagem até o momento da publicação da matéria. A reportagem tentou ainda diversos contatos telefônicos com a pasta, sem sucesso.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.