EUA, Europa, Japão e China fazem corrida para trazer amostras de Marte

Países buscam o 'santo graal' da pesquisa marciana para responder às perguntas que temos sobre o passado do planeta vermelho

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Foto tirada após o primeiro voo do helicóptero da Nasa Perseverance, em Marte AFP

São Paulo

Uma missão não tripulada de retorno de amostras de Marte é considerada por muitos cientistas como o "santo graal" da pesquisa marciana. Muitas das respostas às perguntas que temos sobre o passado do planeta vermelho, incluindo a possibilidade de que tenha havido vida por lá, só devem aparecer uma vez que consigamos analisar rochas bem escolhidas por lá com nossos melhores equipamentos de laboratório por aqui. E agora múltiplos países estão nessa trilha.

Os que mais falaram disso, no passado, foram os americanos. Até porque, até semana passada, a Nasa era a única organização que já tinha realizado uma missão de solo bem-sucedida em Marte. E isso múltiplas vezes. Mas o desafio de chegar ao planeta vermelho fica pequeno perto do trabalho que seria voltar de lá. Daí a retiscência de décadas.

Os primeiros estudos internacionais pintaram em 2006, e no fim Nasa e ESA, agências espaciais americana e europeia, decidiram fazer uma parceria para a missão. Em 2018, ambas assinaram uma carta de intenções, em em 2019 propuseram uma arquitetura para que amostras fossem trazidas de volta —em 2031.

É o plano que foi colocado em movimento com o pouso da missão Mars 2020, em fevereiro deste ano, levando o rover Perseverance e o mini-helicóptero Ingenuity à cratera Jezero, em Marte. Caberá ao jipe robótico colher diversas amostras ao longo de sua missão e armazená-las em tubinhos, que depois serão deixados todos juntos na superfície de Marte. Começará então a "operação de resgate".

Uma missão dupla a ser lançada em julho de 2026 levaria ao solo marciano, próximo ao Perseverance, um pequeno foguete de dois estágios instalado em um módulo de pouso, a ser desenvolvido pela Nasa, e um rover desenvolvido pela ESA capaz de colher as amostras e acondicioná-las no foguetinho.

O pequeno lançador colocaria então uma cápsula com o material na órbita de Marte, onde ele seria capturado por um orbitador desenvolvido pela ESA, com motor iônico capaz de levá-lo até Marte e depois trazê-lo de volta. Essa nave-mãe seria lançada por um Ariane 6 em outubro de 2026 e chegaria a Marte em 2027, reduzindo sua órbita gradualmente até chegar ao ponto em que poderá se encontrar com a cápsula, em julho de 2028. O retorno à Terra exigiria uma espera para o alinhamento adequado dos planetas, o que faria a chegada acontecer em 2031.

É muita coisa ainda a ser desenvolvida e há vários modos pelos quais o plano pode dar errado, o que mostra a dificuldade que é trazer amostras de lá. Daí que alguns outros países pensaram em iniciativas diferentes.

O atalho do Japão

Em 2024, a Jaxa, agência espacial japonesa, pretende lançar a missão MMX, acrônimo para Exploração das Luas Marcianas. O planeta vermelho tem duas, Fobos e Deimos, bem menores que a nossa Lua.

A ideia é usar toda a experiência adquirida pelos japoneses com as missões Hayabusa e Hayabusa2, que trouxeram amostras de asteroides, para fazer o mesmo na lua marciana Fobos.

Imagem de asteroide tirada pela Hayabusa2 - AFP

Embora não seja a mesma coisa que trazer uma amostra do solo de Marte, é fato que impactos de asteroides no planeta devem rotineiramente ejetar meteoritos marcianos (por sinal, alguns deles caíram na Terra e são muito estudados), e alguns deles certamente vão parar na superfície de Fobos. Então não é inconcebível que algum material marciano venha junto com o punhado de farelos que a MMX pode recolher em Fobos. E essa amostra estaria de volta à Terra em julho de 2029.

É muito menos atraente do que poder escolher rochas promissoras em Marte e transportá-las sem qualquer processo agressivo (como um impacto), mas é um atalho. E a missão contará com participações da Nasa, da ESA e da CNES (agência francesa), fornecendo instrumentos científicos.

China abre uma trilha

Com seu pouso bem-sucedido em Marte, os chineses se colocam numa trilha alternativa para recolher amostras do planeta vermelho e trazê-las de volta à Terra.

É verdade que eles mal operaram seu rover Zhurong por lá, depois do pouso na última sexta-feira, mas eles se aproveitam do avanço tecnológico das últimas décadas para queimar etapas. Seu veículo sobre rodas só é menos capaz que os nucleares Curiosity e Perseverance (equipados com pilhas de plutônio, em vez de painéis solares), e seus cientistas dizem estar em busca de evidências de vida pregressa no planeta vermelho —mesma meta declarada da missão Mars 2020, da Nasa.

Ninguém sabe ao certo quais são os planos dos chineses, e já houve duas propostas diferentes em circulação. Uma seria fazer tudo com uma única missão, o que geraria menos complicações e riscos, mas exigiria o lançador mais poderoso em desenvolvimento pelo país, o Longa Marcha 9, a ser usado em futuras missões tripuladas à Lua. Mas esse foguete só estaria disponível a partir de 2030, segundo os planos chineses.

A alternativa, também aventada, seria fatiar o projeto em múltiplos lançamentos, como estão planejando Nasa e ESA. E aí, adivinhe só, o retorno também seria em 2031. Ou seja, é uma aposta razoavelmente segura de que provavelmente não teremos retorno de amostras de Marte antes de 2031. Mas não garantida.

O fator Musk

Nessas horas, ninguém pode se esquecer de como o panorama da exploração espacial está mudando rapidamente com o advento dos foguetes reutilizáveis e a decisão de Elon Musk de tocar uma empresa, a SpaceX, com o objetivo expresso de colonizar Marte.

O veículo Starship, atualmente em desenvolvimento pela companhia, foi recentemente escolhido pela Nasa para levar astronautas de volta à Lua, mas ninguém deve perder de vista de que seu projeto tinha como objetivo original viabilizar o transporte de até cem pessoas por vez até Marte.

Pouso da Starship da SpaceX - AFP

Não é impossível que em coisa de dois ou três anos, o Starship esteja suficientemente maduro para tentar uma viagem até Marte. Sozinho, ele não teria capacidade de retorno. Mas, se a SpaceX conseguir instalar uma fábrica de combustível por lá (o Starship foi projetado para usar metano como combustível justamente pela facilidade de fabricá-lo lá a partir de água e dióxido de carbono marcianos), seria concebível uma missão de retorno de amostras robotizada que pudesse voltar antes de 2031. É esperar para ver.

Ocupação é ditada pelo Tratado do Espaço de 1967

Ninguém pode declarar posse ou soberania de qualquer território em qualquer corpo celeste, mas não há veto expresso ao uso de recursos locais ou estabelecimento de bases.

Os EUA estão tentando empurrar um arcabouço internacional mais amplo sobre a questão do uso dos recursos, estabelecendo, por exemplo, "zonas de segurança" ao redor de naves pousadas que seriam controladas por quem levou a nave.

Além disso, países como EUA e Luxemburgo têm passado leis nacionais para reger a propriedade de recursos extraídos do espaço, para garantir que, se uma nave de uma empresa americana coleta uma amostra lunar, essa amostra é da empresa, para ofecer segurança jurídica para as companhias explorarem.

Ainda falta um conjunto de regras internacional mais claro, e é preciso literalmente combinar os termos com os russos e também com os chineses, por entenderem que se trata dos EUA tentando legislar em causa própria, sem consultar ninguém antes sobre o texto apresentado aos parceiros.

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