Antiga superpotência espacial, Rússia fará missões com ajuda da China

Os dois países prometeram cooperar em expedições à Lua e a um asteroide, erguendo o cenário para uma nova corrida espacial com os EUA e seus parceiros

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Andrew E. Kramer Steven Lee Myers
Moscou e Seul | The New York Times

Sessenta e três anos atrás, a União Soviética colocou no espaço o primeiro satélite artificial, o Sputnik. Quase quatro anos depois, enviou o primeiro homem à órbita da Terra, Yuri Gagarin. Depois o país foi superado pela agência espacial dos Estados Unidos, a Nasa, na corrida espacial, mas mesmo após o colapso da União Soviética a Rússia continuou sendo uma importante potência espacial, unindo-se aos americanos na construção e operação da Estação Espacial Internacional (ISS) durante as últimas duas décadas.

Hoje, o futuro do programa espacial russo depende da nova potência espacial mundial, a China.

Após anos de promessas e cooperação limitada, Rússia e China começaram a traçar planos ambiciosos para missões que competiriam diretamente com as dos EUA e seus parceiros, iniciando uma nova era de concorrência no espaço que poderá ser tão intensa quanto a primeira.

Elas se uniram para uma missão robótica a um asteroide em 2024 e estão coordenando uma série de missões lunares destinadas a construir uma base de pesquisa permanente no polo sul da Lua até 2030. A primeira dessas missões, uma espaçonave russa chamada Luna, lembrança da era soviética, está com lançamento programado para outubro, visando localizar gelo que poderia fornecer água a futuros visitantes humanos.

Imagem distribuída pela China National Space Administration (CNSA) mostra o rover chinês em Marte - AFP

"A China tem um programa ambicioso, tem recursos para equipá-lo e tem um plano", disse Alexander Gabuev, bolsista sênior no Centro Carnegie em Moscou. A Rússia, por outro lado, "precisa de um sócio".
A nova parceria nascente reflete a geopolítica do mundo atual.

China e Rússia tornaram-se cada vez mais próximos sob seus líderes atuais, Xi Jinping e Vladimir Putin, atenuando décadas de desconfiança entre os países e criando uma aliança poderosa, embora não oficial, contra o que elas percebem como um comportamento hegemônico dos EUA. O espaço se tornou uma extensão natural dos laços crescentes entre os dois países, diante das relações cada vez mais frágeis com os EUA.

Autoridades russas já sinalizaram que poderão sair da Estação Espacial Internacional quando o atual acordo com seus parceiros terminar, em 2024. O lançamento no ano passado da cápsula tripulada da SpaceX já pôs fim ao papel exclusivo da Rússia no transporte de astronautas americanos à estação.

A Rússia citou várias razões, mas a política parece ser um fator. Na semana passada, o diretor da agência espacial russa, Dmitri Rogozin, disse que seu país recuará se os EUA mantiverem as sanções que prejudicaram o programa espacial russo."A cooperação EUA-Rússia na estação espacial foi considerada um símbolo da capacidade dos países de trabalhar juntos mesmo em tempos de tensão, mas essa tensão atingiu um ponto em que todas as apostas foram canceladas", disse Joan Johnson-Freese, professora de segurança nacional na Escola de Guerra Naval dos EUA.

A Rússia, apesar de toda a sua experiência no espaço, tem dificuldade para manter um programa que vem lutando contra a obsolescência e a corrupção e carece de recursos na economia russa estagnada.

Já a China, relativamente uma recém-chegada à exploração espacial, saltou para as mais altas fileiras das potências espaciais com missões que a Rússia, e a União Soviética antes dela, não conseguiram cumprir, inclusive o pouso e envio de uma sonda robótica a Marte no mês passado.

Nesta primavera, a China lançou os primeiros módulos de uma nova estação espacial orbital e poderá nesta quarta-feira (16) enviar os primeiros três astronautas para ocupá-la. A aposentadoria da ISS —originalmente planejada para 2024, embora o prazo deva ser prorrogado— poderá em breve deixar a China com o único posto avançado habitado em órbita da Terra.

A China enviou seus primeiros astronautas ao espaço em 2003, mas nunca foi convidada a integrar a Estação Espacial Internacional. Leis aprovadas pelo Congresso americano em 2011 proíbem a Nasa de praticamente qualquer cooperação com a agência espacial chinesa ou companhia relacionada, citando o risco de espionagem.

O país diz que fez da necessidade uma virtude, desenvolvendo suas próprias capacidades espaciais, embora também tenha comprado equipamento dos russos para ajudar a construir duas estações espaciais temporárias, em 2011 e 2016. A terceira, chamada Tiangong, ou "Palácio Celestial", deverá ser concluída no próximo ano, depois de 11 lançamentos, e ficar orbitando a Terra durante pelo menos dez anos.

"O prolongado bloqueio estrangeiro forçou nossa inovação independente", disse no mês passado Yang Hong, um dos projetistas de Tiangong, à televisão estatal chinesa. "Precisamos ter a nossa. Não podemos estar sempre atrás dos outros."

A China prometeu abrir a estação para astronautas e experimentos estrangeiros, embora por definição seja um empreendimento dominado pelos chineses.

"Estamos decididos a fazer de nossa estação espacial uma plataforma compartilhada para pesquisa científica e tecnológica em benefício de todos os povos do mundo", afirmou Hao Chun, diretor da Agência Espacial Tripulada da China, em entrevista para organizações de mídia do governo chinês.

A Rússia e a China já cooperaram antes. Os primeiros astronautas chineses, chamados "taikonautas", voaram com trajes espaciais russos. Mais tarde, a China fez seus próprios trajes, com base em desenhos russos, que também são vistos em alguns foguetes chineses. A primeira tentativa chinesa, fracassada, de enviar um veículo orbital a Marte pegou carona em uma missão russa a uma das luas marcianas, Phobos.

Trabalhar com a China agora dá à Rússia a possibilidade de tentar uma viagem científica ambiciosa que não conseguiu por conta própria na era pós-soviética, enquanto lutava com orçamentos menores e corrupção.

Um mês depois de anunciar o trabalho conjunto na estação lunar, os dois países informaram em abril que se unirão para uma missão robótica em 2024 a um asteroide chamado Kamo'oalewa.

"É uma parceria natural", disse Gregory Kulacki, gerente de projeto da China na União de Cientistas Preocupados. "Os russos têm muita experiência. Os chineses têm os recursos para financiá-los."

O novo acordo sobre o posto avançado lunar sugere um envolvimento mais profundo, com a Rússia agora aproveitando os ambiciosos planos chineses de construir uma base para futura exploração espacial e extração de recursos naturais.

Para a Rússia, isso permitiu um renascimento do projeto de exploração lunar da União Soviética, incluindo um programa de robótica chamado Luna que começou nos anos 1950.

Segundo uma apresentação de Pei Zhaoyu, vice-diretor do Centro do Programa Espacial e de Exploração Lunar da China, em uma conferência em Nanquim em abril passado, as próximas três missões Luna russas serão integradas com a série de espaçonaves chinesas Chang'e —nome de uma deusa da lua na mitologia chinesa.

A primeira das missões russas está marcada para outubro, embora o programa espacial russo tenha um histórico de longos atrasos.

Em última instância, a China espera que a estação demonstre a capacidade de desenvolver água, recursos minerais e energéticos que possam permitir a sobrevivência em curto prazo de astronautas e sirva como base para uma exploração mais profunda do espaço.

A Nasa tem seus próprios planos de voltar com astronautas à Lua --e um dia enviá-los a Marte—, e recrutou parceiros sob um acordo que rege as atividades espaciais, incluindo operações, experimentos e extração de recursos naturais.

A China não está excluída explicitamente, mas parece que não vai assinar, diante das restrições americanas sobre cooperação espacial e suas próprias determinações a construir um programa próprio. Também parece improvável que a Rússia o assine, vista sua inclinação para a China.

Como disse Johnson-Freese, da Escola de Guerra Naval dos EUA, "a China mantém a Rússia na corrida espacial em uma medida muito maior do que a economia russa permitiria".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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