Entraves técnicos e éticos barram criação de clones humanos 25 anos após ovelha Dolly

Feito, porém, levou ao aprendizado de como fazer com que células adultas retornassem a um estudo muito similar ao embrionário, com a mesma versatilidade

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São Carlos (SP)

Os 25 anos que passaram desde o nascimento da ovelha Dolly, o primeiro clone viável de um mamífero, são uma lição exemplar sobre como o desenvolvimento de tecnologias tende a seguir caminhos não lineares e imprevistos.

O elemento mais claro dessa imprevisibilidade tem a ver com a completa ausência de clones humanos no mundo de 2021, embora os debates éticos que se seguiram ao anúncio da existência de Dolly tenham abordado isso de forma obsessiva durante alguns anos.

No começo deste século, o nascimento do primeiro bebê clonado por vezes pareceu mera questão de tempo, e algumas figuras de reputação questionável chegaram a anunciar o feito para breve.

Foi o caso do fisiologista americano de origem cipriota Panayiotis Zavos, 77, hoje professor emérito da Universidade do Kentucky, e do líder religioso francês Claude Vorilhon, 74, conhecido como Raël (a seita fundada por ele mistura interpretações idiossincráticas da Bíblia com a crença em extraterrestres; em nome da própria sanidade, o leitor provavelmente não vai querer saber mais do que isso).

Apesar das bravatas de Zavos e Raël, as objeções éticas ao procedimento se somaram às dificuldades técnicas gigantescas e acabaram produzindo um mundo livre de seres humanos geneticamente copiados.

O principal entrave, que muito provavelmente continuará a valer por tempo indeterminado, é que é preciso dispor de centenas de embriões e dezenas de mães de aluguel para que um único clone possa nascer.

Isso significa submeter um grande número de mulheres a gestações de risco que, no fim das contas, gerariam bebês com chances elevadas de problemas de saúde e longevidade reduzida.

O que ocorre é que o processo de reprogramação do DNA de seu estado adulto para outro “primitivo”, indispensável para que a clonagem aconteça, muitas vezes funciona mal e faz com que o indivíduo clonado tenha expectativa de vida limitada.

Esses problemas ficaram consideravelmente menores, é verdade, no caso da clonagem com objetivos veterinários, envolvendo animais como porcos. Em tais casos, a ideia é produzir em massa animais com alto valor comercial.

O procedimento, porém, ainda está longe de ter impacto significativo no mercado, e bichos copiados carregam uma desvantagem considerável: baixa variabilidade genética, o que os torna mais suscetíveis a doenças, entre outras coisas.

Durante muito tempo, falou-se em clonagem terapêutica, técnica na qual o embrião clonado seria destruído quando tivesse apenas algumas centenas de células e poucos dias de vida. Depois, tais células, com capacidades polivalentes, serviriam para cultivar tecidos e órgãos sob medida para transplante. Por carregarem o mesmo material genético do indivíduo clonado, não haveria risco de rejeição.

Também vitimada pelos questionamentos éticos (afinal, seria preciso destruir um embrião humano) e pelas dificuldades técnicas (ainda seria preciso obter muitos óvulos de doadoras), a clonagem terapêutica acabou inspirando outra abordagem, essa muito mais usada hoje.

Trata-se da criação das chamadas células iPS (“pluripotentes induzidas”, na sigla inglesa). Ativando certos genes-chave, os pesquisadores aprenderam como fazer com que células adultas– obtidas com uma biópsia da pele, por exemplo– retornassem a um estudo muito similar ao embrionário, com a mesma versatilidade, ou “pluripotência”–daí o nome.

A abordagem ainda não chegou a levar a tratamentos, mas as células iPS têm se mostrado muito úteis para estudos sobre o desenvolvimento de órgãos e testes de medicamentos, entre outras coisas.

A ironia é que, sem o conhecimento sobre a reprogramação do DNA adulto, que começou a se acumular graças aos trabalhos com as diferentes formas de clonagem, teria sido bem mais difícil chegar às células iPS. Desse ponto de vista, os clones funcionaram como uma escada, e não como um fim em si mesmos.

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