Filhotes de morcego passam meses aprendendo a 'falar' como os adultos

Eles chegam a passar 30% do seu tempo ensaiando os sons típicos da espécie

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São Carlos (SP)

Filhotes de uma espécie de morcego passam alguns meses de sua vida balbuciando, tal e qual bebês humanos, antes de aprender a “pronunciar” corretamente o repertório de sons dos adultos de sua família. Trata-se de um dos paralelos mais próximos com o aprendizado da fala do Homo sapiens em outro mamífero, o que pode trazer dados importantes para entender como essa faculdade evoluiu.

Os morceguinhos balbuciantes pertencem à espécie Saccopteryx bilineata. Os bichos se alimentam de insetos e têm ampla distribuição geográfica pela América tropical, incluindo a maior parte do território brasileiro (por aqui, só não ocorrem em estados da região Sul).

Filhotes de morcego da espécie Saccopteryx bilineata passam meses aprendendo a 'pronunciar' sons como os adultos - Michael Stifter via The New York Times

No entanto, no estudo que decifrou o aprendizado vocal dos mamíferos voadores, foram estudados 20 filhotes de populações da espécie que vivem na Costa Rica e no Panamá. A pesquisa foi coordenada por Ahana Fernandez e Mirjam Knörnschild, do Museu de História Natural de Berlim (a primeira pesquisadora é suíça de origem equatoriana, a segunda é alemã).

A dupla e seus colegas acompanharam toda a “primeira infância” dos morcegos, que vai até as dez semanas de vida. Nesse momento, eles já dominam a maior parte do repertório dos adultos, que é de 25 tipos diferentes de “sílabas”. (As aspas são necessárias porque as sílabas dos morcegos são definidas como um som contínuo seguido de um intervalo de silêncio, no que diferem das existentes nos idiomas humanos.)

Da sétima até a décima semana de vida, os filhotes chegam a passar 30% do seu tempo ensaiando os sons típicos dos adultos. As “sílabas” que emitem podem ser iguais às dos morcegos maiores ou são protossílabas, ou seja, sons indiferenciados, que não imitam exatamente nenhum aspecto das vocalizações dos animais já crescidos.

As protossílabas são os sons mais frequentes produzidos pelos filhotes (39% de suas vocalizações) e só estão presentes na infância dos bichos. Além disso, são muito variáveis, o que sugere que os bebês estão explorando as possibilidades de seu aparato vocal nessa fase.

Isso já lembra bastante o que bebês da nossa espécie fazem, mas duas outras características do balbucio de morcegos são ainda mais semelhantes ao que se vê em filhotes humanos. A primeira é a repetição de “sílabas”, tal como como o “bá-bá-bá-bá”, “tá-tá-tá-tá” ou, claro, “gu-gu-dá-dá” dos Homo sapiens de colo.

A outra é o ritmo repetitivo desses sons, também muito parecido com o de bebês humanos. As pesquisadoras propõem que esses detalhes correspondem a mecanismos de reforço do sistema nervoso, treinando os músculos vocais para funcionar com precisão.

O trabalho é mais um indício de que o ato de balbuciar é um elemento crucial para o desenvolvimento da fala. Há pistas disso até entre crianças com deficiência auditiva que aprendem as diferentes línguas de sinais mundo afora desde o nascimento: antes de se tornarem fluentes, elas também balbuciam –com as mãos.

E algo parecido vale para pássaros também, disse Knörnschild à Folha. “Na nossa opinião, a principal diferença é que o balbucio de morcegos abrange não só as sílabas de canções, como no caso das aves, mas também outros sons do repertório dos adultos. E morcegos de ambos os sexos balbuciam.”

No caso dos bebês humanos, a interação com os pais é muito importante para o estímulo dos balbucios – é comum que eles falem com os pequenos usando o que algumas pessoas chamam de “mamanhês”, uma linguagem simplificada e com entonação exagerada. E os morcegos?

“É uma questão fascinante e, de fato, temos alguns dados sobre isso, que foram coletados pela Ahana e estão sendo analisados por ela. Seria de se esperar que o mesmo aconteça no caso dos filhotes de morcego, mas ainda não podemos afirmar nada categoricamente.”​

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